PRR - Contributos e Visões da Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal (EAPN Portugal) no domínio do acesso à habitação
Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)
Contributos e Visões da Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal (EAPN Portugal) no domínio do
acesso à habitação
A EAPN Portugal já teve oportunidade de se pronunciar
relativamente ao Plano de Recuperação e Resiliência, quer numa primeira fase em
que destacou as suas preocupações com a área da Habitação[1],
quer numa segunda fase, em que respondeu à consulta pública[2]
destacando recomendações na área da luta contra a pobreza e de defesa dos
direitos sociais de todas as pessoas nomeadamente das mais vulneráveis.
Nos últimos anos, as principais cidades do país, principalmente
Lisboa e Porto, assistiram a um processo de gentrificação como resultado de
dinâmicas no mercado imobiliário destes centros metropolitanos. No seu cerne
está, em primeira instância, o vertiginoso aumento dos preços da habitação e a
pressão económica sobre os habitantes das cidades mais afetadas, que se veem,
sob diversas formas, impelidos a sair das cidades e a procurar residência nos
concelhos limítrofes. O aumento de preços tem, por sua vez, vindo a ser
associado aos processos de liberalização do mercado de arrendamento que
resultam de diferentes medidas políticas tomadas de há alguns anos a esta
parte, como a revisão do regime jurídico do arrendamento urbano, mas também as
medidas de fomento da internacionalização do mercado.
A falta de habitação acessível é hoje um problema social grave
no nosso país, para o qual a própria Comissão Europeia (CE) já alertava no
relatório sobre os desequilíbrios macroeconómicos da economia portuguesa,
divulgado em 2020. Depois de ter indicado que havia indícios de
sobrevalorização de preços no mercado imobiliário nacional, a CE apontava
também que: “A subida dos preços da habitação está a intensificar as pressões
financeiras nos mais vulneráveis”. Efetivamente, a liberalização do
arrendamento levada a cabo a partir de 2012 criou uma pressão adicional sobre
as famílias, que se acentuou nas áreas urbanas com a atratividade de novos
setores económicos, como o alojamento local, e com a procura imobiliária
externa e as desigualdades no acesso à habitação alargaram-se e atingem hoje,
não apenas as camadas mais vulneráveis, mas também as classes médias urbanas.
O Plano de
Recuperação e Resiliência prevê investir
1.633 milhões de euros em termos de políticas de habitação com o objetivo de
reforçar o parque habitacional público assegurando um acesso generalizado à
habitação digna. “Ao Nível da habitação
pretende-se relançar e reorientar a política de habitação em Portugal,
salvaguardando habitação para todos, através do reforço do parque habitacional
público e da reabilitação das habitações indignas das famílias de menores
rendimentos, por forma a promover um acesso generalizado a condições de
habitação adequadas”. O Governo estabelece como meta investir cerca de 1.250
milhões em casas condignas para cerca de 26 mil
famílias sinalizadas.
Neste sentido, a EAPN congratula-se com este compromisso, pois é
fundamental que o Estado assuma o seu papel no
provimento público de habitação, através da habitação social ou da recuperação
do parque habitacional devoluto e a sua redistribuição junto da população mais vulnerável.
Consideramos claramente positivas estas medidas e a preocupação com a
construção de respostas habitacionais para a população carenciada que evitem a
guetização desta população.
O
acesso a uma habitação digna é uma condição essencial para a promoção e inclusão
social de todos os cidadãos. Portanto, a EAPN Portugal acredita que temos de
trabalhar para responder à situação de desigualdade no domínio do direito à
habitação. Lembramos aqui a persistente situação de vulnerabilidade habitacional entre a
população cigana que acaba por se repercutir no acesso a outros direitos
básicos de cidadania. A criação de bairros específicos só para comunidades
ciganas, a existência de acampamentos/barracas e habitações sem as mínimas
condições de habitabilidade agravam as condições de vulnerabilidades destes
cidadãos e promovem uma imagem negativa, reforçando os estereótipos existentes.
Embora a nível local sejam identificados
problemas e necessidades na área da habitação eles não têm tido tradução na
definição de estratégias de intervenção e em medidas de política de habitação local.
De
acordo com os Resultados Preliminares dos Censos 2021 na última década Portugal
registou um decréscimo populacional de 2,0% e acentuou o padrão de
litoralização e concentração da população junto da capital. O Algarve e a Área
Metropolitana de Lisboa são as únicas regiões que registaram um crescimento da
população, sendo o Alentejo aquela que registou o decréscimo mais expressivo.
Portugal registou também um ligeiro crescimento do número de edifícios e de
alojamentos destinados à habitação, embora num ritmo bastante inferior ao
verificado em décadas anteriores
É tendo por base este contexto que se
considera urgente intervir nesta área garantindo o acesso à habitação,
apostando na definição de medidas articuladas de intervenção e em estratégias
locais de ação para suprimir situações de grave carência habitacional e evitar
processos de segregação sócio espacial.
No âmbito da promoção da igualdade no
acesso às políticas de habitação social foi aprovada a Resolução do Conselho de
Ministros nº. 48/2015[3], de
15 de julho, que aprova a
Estratégia Nacional para a Habitação para o período de 2015-2031 onde está
previsto um conjunto de medidas que abrangem esta população, designadamente
integrar as necessidades de realojamento das comunidades imigrantes e minorias
étnicas no programa de realojamento e disponibilizar habitações sociais que
estejam devolutas para realojamento.
Atualmente, Portugal dispõe de um
dispositivo legal – a Nova Geração de Politicas de Habitação - aprovada este
ano[4] e que
tem como objetivos: i) garantir o acesso de todos a uma habitação adequada,
entendida no sentido amplo de habitat e orientada para as pessoas, passando por
um alargamento significativo do âmbito de beneficiários e da dimensão do parque
habitacional com apoio público; ii) criar as condições para que tanto a
reabilitação do edificado como a reabilitação urbana passem de exceção a regra
e se tornem nas formas de intervenção predominantes, tanto ao nível dos
edifícios como das áreas urbanas. De todas as medidas existentes importa
destacar o
Programa de Apoio ao Acesso à Habitação - 1° Direito[5] que incide
no apoio público para promover soluções habitacionais para pessoas que vivem em
condições habitacionais indignas (sem-abrigo, situações de violência doméstica,
sem condições de salubridade, higiene e segurança – barracas, acampamentos,
entre outras situações) e que não dispõem de capacidade financeira para
suportar o custo de acesso a uma habitação adequada.
É tendo por base este enquadramento político que a EAPN
Portugal apresenta algumas recomendações no sentido de garantir que os processos de realojamento
possam ter um maior sucesso:
·
É necessário ter presente que os
territórios não são iguais. Este facto deve estar contemplado na definição
das próprias medidas e estratégias, assim como na sua adequação às especificidades
dos territórios.
·
É importante o desenvolvimento de políticas abrangentes, articuladas e integradas. É pertinente definir políticas integradas e
articuladas entre as diferentes áreas de intervenção mesmo que o foco seja a
área da habitação. Neste sentido, é premente a complementaridade das políticas
de habitação com as demais políticas sociais, de emprego, de educação, entre
outras, direccionando os seus esforços para os objetivos comuns de forma
integrada e coordenada. Reverter
as necessidades habitacionais identificadas localmente exige a definição de
soluções inscritas nas políticas de habitat; apostando em abordagens integradas
e participativas em programas de arrendamento público e no reforço da
informação, encaminhamento e acompanhamento de proximidade.
·
Trabalho em
rede/trabalho intersectorial e acompanhamento sistemático e contínuo das
iniciativas desenvolvidas - é fundamental apostar no trabalho em
rede/intersectorial e na transversalidade das intervenções. É necessário
concentrar esforços e apostar num forte trabalho em rede, envolvendo vários
atores e instituições com ampla experiência neste âmbito, de forma a promover a
inclusão da diferença e da diversidade. No fundo, é apostar na colaboração e
articulação intersectorial e multidisciplinar dos profissionais através do
estabelecimento de parcerias, incluindo as diferentes estruturas e sectores de
intervenção. Os municípios desempenham um papel importante a este nível, mas
não deve ser vista apenas como uma responsabilidade única. Para que as medidas
de habitação tenham o devido sucesso devem envolver outros níveis de decisão e
também o sector social.
·
As políticas de habitação devem ser orientadas
pelo princípio da criação de oportunidades de inclusão, combatendo qualquer
forma de restrição ao acesso à habitação por razões de discriminação racial ou
étnica.
·
Definir
planos de erradicação das barracas e dos acampamentos,
promovendo o acesso a habitações dignas e integradas na malha urbana, evitando guetos e a exclusão destes
cidadãos. A construção de habitação que deve ser igualmente
acompanhada de espaços de lazer e recreio, de espaços verdes, de
acessibilidades (transportes públicos, arruamentos, novas estradas, etc,).
·
Adequar as boas experiências às
especificidades dos contextos locais e à heterogeneidade das famílias, contando
com o envolvimento da população na manifestação/concretização das suas
necessidades e expectativas e com o envolvimento de um conjunto de
entidades no cumprimento das suas obrigações em matéria de inclusão social.
·
Transversal a toda a intervenção deve estar
presente o princípio da participação. É importante fomentar a presença e a participação dos
cidadãos na conceção, implementação, execução e avaliação das intervenções.
·
Por fim, e não
menos importante, é necessário que as políticas de habitação sejam
desenvolvidas tendo por base um plano de
ação com objetivos a curto, médio e longo prazo e assente num acompanhamento social permanente e contínuo
das famílias abrangidas.
O
acesso à habitação digna sendo estrutural para o bem-estar das pessoas tem que
ser encarado como um desígnio nacional e tratado com a seriedade que exige e
necessita de uma atenção por parte das entidades responsáveis, sendo necessário
uma intervenção urgente e permanente. As ações a implementar devem ser vistas
como uma responsabilidade de todos e abordadas numa perspetiva sistémica,
colocando em interação todos os agentes (políticos, técnicos, comunidades) e
todas as áreas de intervenção.
EAPN Portugal /
Rede Europeia Anti-Pobreza
Julho 2021
[2]https://www.eapn.pt/documento/713/plano-de-recuperacao-economica-recuperar-portugal-reconstruindo-o-futuro
[3]Resolução
do Conselho de Ministros nº. 48/2015 - https://dre.pt/home/-/dre/69812100/details/maximized?p_auth=8UeDEd8Y
[4]
Resolução
de Conselho de Ministros n.º 50-A/2018, de 2 de maio
- https://dre.pt/home/-/dre/115211109/details/maximized
[5]
Este é um programa considerado central no âmbito das políticas de habitação e
que tem por objetivo garantir o acesso a uma habitação adequada e a condições
de vida dignas aos agregados familiares em situação de grave carência
habitacional –
Decreto-lei nº. 37/2018, de 4 de maio: https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/115440317/details/normal?q=37%2F2018
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