Migrações: Factos & Números, um documento a ler à luz da "Semana da Interculturalidade"



Migrações: Factos & Números

No dia 25 de maio, George Floyd foi morto, sufocado, pela polícia norte-americana durante um processo de detenção. No dia 12 de março, Ihor Homenyuk, cidadão ucraniano, morreu no Centro de Instalação Temporária do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras do Aeroporto de Lisboa depois de 15 horas numa sala, onde foi manietado com fita-cola, ligaduras, algemas de metal e as calças puxadas até ao joelho. Três inspetores do SEF são suspeitos de homicídio qualificado e a autópsia indica para asfixia associada às lesões traumáticas.[1]

O debate sobre a existência de racismo em Portugal, não é novo, ainda que para muitos prevaleça a perceção de Portugal como país acolhedor e de brandos costumes. De facto, Portugal ainda se distingue da média europeia na sua perceção sobre os estrangeiros. Segundo o Eurobarómetro de 2019[2], Portugal é o sexto país da União Europeia com maior proporção da população com imagem positiva da imigração proveniente de países terceiros (58%); 74% dos portugueses consideram que os imigrantes são um contributo importante para o país e 77% considera que Portugal deve ajudar os refugiados. Em ambos os casos encontramos aqui valores superiores à média europeia. No entanto, do outro lado destes dados permanece mais de um terço da população com uma imagem negativa dos imigrantes de países terceiros. Se juntarmos à discriminação com base na nacionalidade, outras dimensões associadas ao racismo tais como a cor da pele e a pertença às comunidades ciganas encontramos outros dados que nos devem fazer refletir. Apesar de apenas 15% da população considerar que existe discriminação face às comunidades ciganas, 71% considera que pertencer à uma comunidade cigana é um aspeto desfavorável a um candidato ao emprego, 39% sentir-se-ia totalmente desconfortável se um cigano ocupasse um cargo político mais elevado, 29% sentir-se-ia totalmente desconfortável se um filho tivesse uma relação amorosa com alguém pertencente à comunidade cigana e 62% considera que as aulas e o material escolar não devem incluir informação sobre a diversidade em termos de comunidades ciganas. As mesmas questões relacionadas com a cor da pele ou origem étnica apontam para valores mais baixos de discriminação, mas ainda assim preocupantes.

A xenofobia e o racismo não estão patentes apenas na violência física que choca e mobiliza a população e que proporciona cada vez mais notícias aos meios de comunicação social. Elas estão patentes também numa discriminação muitas vezes silenciosa que empurra para situações de exclusão, de desemprego e de pobreza estas populações. Efetivamente, o risco de pobreza ou exclusão social é significativamente superior entre a população estrangeira (26.4%) face a nacional (21.3%), mas ainda mais preocupante     quando temos em conta especificamente a população com nacionalidade extracomunitária (31.5%). É neste último grupo onde encontramos a maior vulnerabilidade à pobreza e a maior dificuldade na inserção no mercado de trabalho.

A taxa de desemprego é 1.6 vezes mais elevada entre os estrangeiros do que entre os nacionais e a inserção laboral parece ser mais precária. O trabalho em part-time é uma realidade significativamente mais expressiva junto dos estrangeiros. Assim, com uma rede de contactos e de solidariedade menor ou mais frágil, os fenómenos da pobreza, do desemprego ou do trabalho a tempo parcial traduzem-se numa maior privação material severa, maior sobrelotação das habitações e maior dificuldade em aceder à saúde. A taxa de privação material severa entre estrangeiros é 2.5 vezes superior do que a dos nacionais; a taxa de sobrelotação das habitações entre estrangeiro é o triplo dos nacionais; e a proporção de estrangeiros que não recorrem a um médico quando necessitam por ser muito caro é o dobro dos nacionais.

E, no entanto, Portugal é dos países mais envelhecidos da União Europeia. Desde 2009 que Portugal mantém um saldo natural, ou seja, a diferença entre os nascimentos e os óbitos, consistentemente negativo. Segundo os dados mais recentes do INE para 2019, o saldo total, ou seja, a diferença entre a população residente no início do ano civil e no fim do ano civil, atingiu pela primeira vez desde 2009 um valor positivo devido às migrações. Em 2019, Portugal teve mais 44.5 mil imigrantes (estrangeiros em Portugal) do que emigrantes (portugueses a residirem fora de Portugal). Sem a população estrangeira o impacto demográfico da baixa taxa de natalidade e do envelhecimento da população seria ainda mais intenso a curto, médio e longo prazo. A projeção do INE para a evolução do índice de envelhecimento indica, num cenário central, que em 2080 teremos 317.4 idosos por cada 100 jovens até aos 15 anos. Num cenário sem migrações este índice sobe para 355.8.

O impacto deste fluxo migratório na demografia em Portugal estende-se para as diferentes esferas. Ao nível do ensino superior, por exemplo, 15% dos alunos inscritos no ensino superior no ano lectivo 2018/2019 eram estrangeiros. Esta foi uma aposta de muitas universidades públicas e privadas para garantirem uma maior sustentabilidade. Mas, gostaríamos de destacar o importante impacto da população estrangeira no sistema de proteção social. É importante desconstruir o estereótipo dos estrangeiros como sendo um peso para a proteção social portuguesa. Na realidade, os dados indicam o contrário. Em 2018, os estrangeiros contribuíram com 746.9 milhões de euros para a Segurança Social e apenas beneficiaram de 95.6 milhões de euros em prestações sociais, levando a um saldo positivo de 651.3 milhões para a Segurança Social. Outro estereótipo é o dos estrangeiros que procuram “aproveitar-se” deste sistema de proteção social, quando, na realidade, a proporção de beneficiários de prestações sociais é mais baixa junto da população estrangeira do que da população total. Segundo dados de 2018, em cada 100 residentes estrangeiros, 60 são contribuintes da Segurança Social e 19.5 são beneficiários. Na população total encontramos um rácio de 42 contribuintes para 26 beneficiários.

Se população estrangeira que escolhe Portugal para residir, procura uma vida melhor da que possuía no seu país de origem, também é verdade que Portugal precisa da população estrangeira. Esta é relação mutuamente benéfica. Mas para garantir que os benefícios positivos em termos sociais e económicos persistam a médio e longo prazo é essencial garantir uma boa integração da população estrangeira, o ingresso num mercado de trabalho com salários dignos e com direito efetivo à proteção social e o acesso a habitação com preços acessíveis. É importante uma educação para a interculturalidade e para a não discriminação que abranja não só os mais novos, mas que desconstrua preconceitos instalados na população. É fundamental conter um aumento do racismo e da xenofobia junto da população portuguesa e, com especial atenção, na esfera política e institucional.

Desejamos que a infografia Migrações: Factos & Números e a Semana da Interculturalidade contribuam para um debate construtivo sobre os estrangeiros e a diversidade cultural em Portugal.



[1] Henriques, Joana Grojão. “Ucraniano esteve 15 horas manietado numa sala. Enfermeiro diz que avisou SEF para o levarem ao hospital”. Jornal Público. 10 de Maio de 2020. Acedido a 16.06.2020 em https://www.publico.pt/2020/05/10/sociedade/noticia/ucraniano-15-horas-manietado-sala-enfermeiro-avisou-sef-levarem-hospital-1915818

[2] Eurobarómetro Standard 92, Outono 2019, de 2019; Eurobarómetro Especial 493, Maio de 2019


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