As implicações sociais do coronavírus em
Portugal: a posição da EAPN Portugal
O mundo está
a debater-se com uma pandemia que tem sérias consequências económicas e
sociais. Acreditamos que será travada, que será encontrada uma vacina, mas os
impactos económicos e sociais vão demorar muito mais tempo a serem solucionados
e os mais vulneráveis estão muito mais expostos.
Na crise
iniciada em 2008 a
EAPN por várias vezes alertou para a importância dos mais vulneráveis serem
protegidos, mas acabaram por ser estes e a classe média a “pagar” a crise e a
sofrer com as medidas de austeridade entretanto implementadas.
Reconhecemos a importância de se tomarem neste momento medidas
urgentes para travar o avanço da doença, mas precisamos de acautelar a situação
de alguns grupos de modo a que a sua situação não se vulnerabilize ainda mais.
A par com as preocupações de saúde, precisamos de reforçar os nossos laços de
solidariedade e de humanidade, pois esta não é apenas uma luta individual, mas
sim uma luta coletiva que deve ser vencida em conjunto.
A pandemia do
coronavírus tem vindo a preocupar de forma crescente e exponencial o mundo
inteiro e neste momento põe em risco o atual paradigma de sociedade tal como o
conhecemos. O surgimento deste vírus irá de forma permanente alterar
comportamentos, provocar mudanças na forma de encarar o futuro e de priorizar
as necessidades de todos. Pode ser o caminho para uma maior igualdade,
solidariedade, partilha e corresponsabilidade, mas também pode ser o caminho
inverso: o do egoísmo, individualismo e aproveitamento individual. Esperemos
sinceramente que seja o primeiro.
Enquanto organização que defende a luta contra
a pobreza e exclusão social a EAPN Portugal mostra-se particularmente
preocupada com os grupos sociais mais vulneráveis. Residem em Portugal mais de
2 milhões de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social e cerca de 1.7
milhões encontram-se em risco de pobreza monetária. Esta população encontra-se
ainda mais vulnerável aos cortes no rendimento familiar, às situações de
desemprego, às consequências de uma crise económica que poderá seguir à crise
pandémica, assim como uma maior dificuldade de acesso a cuidados de saúde fora
do SNS ou outros recursos.
É importante
sublinhar a especial vulnerabilidade à pobreza por parte das famílias
monoparentais, onde o rendimento do agregado familiar está fortemente
condicionado pela existência de apenas um elemento adulto. Em 2018, num
contexto económico favorável, 33.9% das famílias com crianças dependentes com
apenas um adulto estava em risco de pobreza monetária. Caso não sejam tomadas
medidas específicas para acautelar o rendimento destes agregados e reduzir a
vulnerabilidade destas famílias, as famílias monoparentais serão fortemente
afetadas quer no atual contexto de pandemia, onde trabalhadores precários são
facilmente descartados pelas empresas e os salários são reduzidos em contextos
de assistência a menores, quer num cenário previsível de futura crise económica.
A precariedade laboral e os baixos salários são
outros elementos que não nos podemos esquecer neste momento de mitigação da
pandemia. Parte da retoma económica dos últimos anos foi baseada em baixos
salários. O número de trabalhadores com salário mínimo passou de 9.4% em abril
de 2010 para 25.6% em abril de 2018. Nesse mesmo ano, num contexto de
crescimento do emprego, aumentou a proporção de trabalhadores pobres, passando
de 9.7%, em 2017, para 10.8%. Os baixos salários dão origem a baixas prestações
de desemprego (quando têm direito a estas prestações) e a uma inexistência de
almofada financeira para conseguir fazer face a uma despesa extra ou para arcar
com uma diminuição de rendimentos. Em 2019, 33% da população portuguesa não
conseguia assegurar o pagamento imediato de uma despesa sem recorrer a
empréstimo.
Ao nível dos
desempregados, a existência de um subsídio de desemprego permite alguma
estabilidade no imediato. No entanto, é importante sublinhar que apenas 28.9%
dos desempregados a procura de novo emprego recebiam prestações de desemprego
em 2018 e que estas têm uma duração limitada no tempo.
Em 2018, 511 mil
trabalhadores estavam em trabalho part-time e 879 mil trabalhadores tinham
contratos de trabalho temporário. Estes serão os trabalhadores que mais
rapidamente e mais facilmente serão dispensados quer de forma imediata, quer
num futuro contexto de crise económica que pode atingir a Europa nos próximos
tempos. Aparte estes números oficiais acresce uma economia informal de
trabalhadores que exercem funções quer junto de empresas quer junto das
famílias (ex: empregadas de limpeza) que poderão ter os seus rendimentos
fortemente reduzidos sem a possibilidade de aceder a mecanismos de proteção
criados pelo Estado.
Os idosos são um
grupo fortemente vulnerável à letalidade do Covid 19. Remetidos a um isolamento
social como forma de prevenir esta doença, estavam já anteriormente vulneráveis
ao isolamento e a vulnerabilidade social. Sem capacidade financeira para aceder a
serviços de saúde privados, estes idosos encontram-se ainda mais dependentes de
um Serviço Nacional de Saúde que consiga responder às suas doenças cronicas e
agudas, independente de serem ou não contagiados pelo Covid 19.
Propostas de
EAPN
Acreditamos que é um momento de priorizar o bem-estar
de todas as pessoas e principalmente tomar medidas que protejam os mais
vulneráveis.
Também acreditamos
que as Entidades de Economia Social podem desempenhar, tal como o fazem sempre,
um papel importante no apoio aos poderes públicos na redução dos efeitos
negativos desta crise e na rápida recuperação das pessoas afetadas.
Medidas
Sociais:
-Várias são
as notícias que apelam para a proteção aos mais idosos. As famílias devem
evitar deixar os netos nos avós; deve-se fazer as compras para os mais idosos,
evitando assim que estes se desloquem para os supermercados e outros
estabelecimentos comerciais; os mais idosos devem evitar sair e devem evitar
grandes concentrações de pessoas.
-Neste momento assistimos a uma corrida desenfreada aos
supermercados, apesar das inúmeras notícias que referem que não vão faltar
produtos. Este “açambarcamento” deixa de fora os mais vulneráveis
economicamente que não têm poder de compra, especialmente, a meio do mês. Esta
situação deve ser contida também por parte dos supermercados e das grandes
superfícies comerciais.
- Consideramos
positiva a existência de um programa de assistência a filhos menores que devem
permanecer em suas casas devido ao encerramento dos estabelecimentos de ensino,
no entanto, sublinhamos que o corte de rendimento nos agregados com rendimentos
mais baixos terá fortes implicações ao nível da precariedade económica e na
capacidade de fazer face às despesas correntes da família. Sublinhamos também a
necessidade de assistência a outros agregados familiares como os que possuem idosos
que foram forçados a permanecer em suas casas devido ao encerramento dos
centros de dia e que não podem estar sozinhos.
- Será importante
uma atenção especial aos agregados monoparentais, especialmente aqueles que
estão em risco devido à falta de rede de apoio e/ou situação de pobreza;
- Consideramos positiva a existência de
medidas que garantam em cada agrupamento escolar a abertura das cantinas
escolares para crianças que habitualmente fazem as refeições nas cantinas das
escolas. No entanto, é necessário igualmente garantir um sistema de acesso a alimentos
ou refeições para as pessoas que estão em quarentena e que não têm reservas de
alimentos em suas casas;
- Defendemos a suspensão
de despejos por falta de pagamento de hipotecas, mas também do pagamento de rendas,
se a causa desse não pagamento for atribuída ao efeito económico desta crise;
- Defendemos o adiamento
do pagamento do IMI, por efeito da crise económica provocada pela pandemia;
- Defendemos a suspensão
de pagamento de rendas dos estabelecimentos comerciais de pequena dimensão e
outros afins em virtude do encerramento temporário dos espaços;
- Consideramos
imprescindível uma atenção especial às questões de desigualdade de género,
considerando a sobrecarga de trabalho que será enfrentada pelas mulheres, quer
pela imposição da quarentena, quer pela necessidade de cuidar as crianças
menores que se encontram sem escola e pela necessidade de cuidar de pessoas
doentes (quer doentes crónicos e idosos, quer doentes infetados pelo vírus).
- Necessidade de
disponibilizar profissionais na área da saúde mental, pois as populações que se
encontram em isolamento forçado podem desenvolver patologias várias do foro
mental.
- Ter presente a
possibilidade do aumento de casos de violência doméstica pela necessidade de
uma convivência forçada e permanente por força do isolamento social que venha a
ser imposto. Seria importante a realização de uma campanha nos mass media
por forma a alertar a população em geral para a necessidade de chamar as
autoridades de segurança sempre que presencie ou ouça algum tipo de discussão
doméstica que indicie uma situação de violência doméstica. Esta situação corre
o riso de provocar um aumento dos conflitos familiares e maus-tratos sobre os
idosos. O que vai exigir também das autoridades e das entidades responsáveis
por estes temas, conseguir acompanhar as situações, dar resposta às mesmas,
reforçar as linhas de atendimento, etc
- É premente o acesso
à habitação para todos os sem abrigo, usando o parque público, para que eles
tenham um lugar para se proteger, usando os Fundos de Emergência da EU e os
Fundos Estruturais existentes. É importante garantir que seja assegurado o
apoio alimentar e os mecanismos de redução de risco junto da população sem
abrigo.
- Fortalecer a cooperação entre o Estado e as
Entidades de Economia Social para desenvolver um plano de contingência social
que apoie na administração de algumas das medidas sociais acima mencionadas.
- Ter em conta a
população de etnia cigana que vive em muitos concelhos do nosso país ainda em
situação de acampamento ou em abarracados e que se encontra vulnerável a esta
situação por falta de condições de habitabilidade, de higiene e salubridade.
Proteção no
Emprego
- Não permitir
despedimentos tendo por base as consequências económicas do vírus,
principalmente de mulheres que tem que conciliar os cuidados dos filhos ou
dependentes ou pessoas ativas que estão em quarentena.
- A queda da atividade económica terá um
efeito cascata sobre um conjunto de setores e atividade, afetando sectores mais
frágeis, como o trabalho independente. Neste sentido, é necessário ativar
medidas de incentivo, suspensão de quotas e autorização de benefícios para
aliviar a situação, nos casos em que os trabalhadores independentes estão
doentes ou encarregados de cuidar de pessoas dependentes.
- Garantir o acesso a todas as pessoas aos
recursos de saúde, em igualdade de condições, para garantir o bem-estar da
população e não deixar ninguém para trás.
- Garantir algum
tipo de proteção aos trabalhadores que têm como atividade principal atividade
não declarada (economia informal) que poderão ficar sem apoio nenhum neste
momento de crise.
março de 2020
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