Palavras com Corpo e Alma. Porque a Pobreza não é Ficção. Delegação Portuguesa – 18º Encontro de Pessoas em Situação de Pobreza, Bruxelas
Palavras
com Corpo e Alma.
Porque
a Pobreza não é Ficção.
Delegação
Portuguesa
– 18º Encontro de Pessoas em Situação de
Pobreza -
Bruxelas, 18 e 19 de Novembro de 2019
– Porque é que a
Delegação Portuguesa escolheu o acesso à habitação como uma das prioridades
para a Comissão Europeia?
A Delegação Portuguesa escolheu
esta prioridade porque, apesar do acesso à habitação ser um direito consagrado
na Constituição da República Portuguesa, e de ser um direito reconhecido na
Carta dos Direitos Humanos, atualmente ter um tecto é considerado “um luxo”,
pois cada vez mais ter uma casa é um sacrifício quase sobre-humano.
“É um
absurdo mais de 70% das casas serem a um valor tão elevado … quase o dobro do
salário mínimo. Então e nos casos que seja uma mãe com um filho ou mais, vai
sobreviver como? Vai trabalhar dia e noite para poder dar um tecto aos filhos..
E o tempo para os filhos? Não pode ter…Infelizmente este país ficou um absurdo
desde que houve o aumento de turismo o nosso povo é que paga. Esqueceram-se de
nós, mas somos nós contribuintes que pagamos os impostos para o nosso país para
depois sermos desprezados assim. Revoltante!”- Vanessa
32 anos (Évora)
Trata-se de um problema que afecta todos
os escalões da sociedade, das pessoas que se encontram numa situação de maior
vulnerabilidade e que vivem nas ruas, uma classe média que se sente precária e
com enorme instabilidade e até a classe alta, dado os investimentos baseados no
mercado de especulação que podem vir a não ter retorno. Sendo o problema óbvio,
a resposta à questão do porquê deste problema ser importante, é simples, na
Europa dita desenvolvida NÃO podem existir pessoas que não têm um lugar para
viver.
2 – Descrição do
problema: o acesso habitação
O “Acesso à Habitação” apresenta-se como um problema
transversal, a todos os membros que fazem parte da delegação, amigos,
famíliares ou conhecidos no geral. Todos conhecemos alguém que está a passar ou
passou um mau bocado precisamente porque não conseguem arranjar um teto.
“
Actualmente vivo numa casa onde pago 700 euros de renda, o meu marido ganha 725
euros e eu tenho um part-time onde ganho 250 euros mais ou menos. Só é possível
viver aqui porque os meus filhos que estudam e trabalham me ajudam com o resto
das despesas, água, luz, gaz, telecomunicações,… não há férias, saídas com
amigos, dinheiro para a saúde e muitas vezes temos que cortar na alimentação”.-
Cidália,
45 anos (Évora)
Em Portugal uma casa custa em média
o salário mínimo. Há cada vez mais famílias que se veem privadas de uma casa,
ou que têm de escolher entre a renda e o resto das despesas privando-se de
outros bens essenciais, bens que são considerados de primeira necessidade como
é o caso da alimentação. Ninguém deveria ter de escolher entre um lugar onde dormir
e uma refeição para comer.
“É
vergonhoso termos que optar entre pagar
um absurdo de renda para os nossos filhos terem um teto ou termos comida para
lhe por na mesa. Eu trabalho para pagar despesas e engordar os gulosos que se
aproveitam das necessidades alheias.” Carmen 47 anos(Évora)
Precisamos de um sistema de
habitação social a preços acessíveis que garanta a existência de habitações
suficientemente inclusivas e eficientes do ponto de vista energético em toda a
Europa. Queremos combater desigualdades para garantir que todos nós possamos
desfrutar de um lar, independentemente do nosso rendimento, sexo, idade ou
nacionalidade.
“O João vivia já precariamente num
quarto sem condições fazia uns anos, mas viu-se obrigado a sair. Justificação
para a saída? O prédio onde vivia não tinha condições! Correto, até os cartazes
de uma empresa de alojamento local aparecerem na fachada do edifício. E agora o
que faz uma pessoa nos seus 60 anos, com uma reforma mínima numa cidade que
vive do Turismo? Simples, muda-se para outro lugar, desta vez já na periferia
da cidade, mas com a mesma falta de condições, de um quarto sem janela para uma
cave com humidade. Uns meses passam, apesar de tudo o João aprendeu a gostar da
cave, mas a casa é vendida. Mais uma vez a busca por um lugar para dormir.
Desta vez não se consegue encontrar algo que o orçamento do João consiga
suportar (era Verão),… É pedida ajuda à Segurança Social, que o encaminhou (a
ele e a muitos antes dele) para uma pensão, que no minimo lhe ficava com 2/3 da
reforma, pensão esta que disponibilizou um quarto onde apenas se conseguia
instalar uma cama de solteiro e um cacifo (mais uma vez sem janelas). A estadia
não durou um mês, foi posto na rua sem a menor consideração, desta vez
responsabilizando também o João, mas não só, também a Segurança Social por o
colocar numa situação que nunca deveria ter estado, piorando a sua saúde física
e mental. Após dois dias a dormir nas urgências do Hospital e com ajuda de
pessoas que não tinham a menor responsabilidade (para além da moral) em o
ajudar, conseguiu encontrar um novo quarto onde se encontra de momento. Não é
nada de especial e tem que se deslocar 1km para almoçar, mas pelo menos tem
janela” – João, 60 anos (Viana
do Castelo)
Este problema crescente remete-nos para um leque de entraves
que consequentemente têm impacto na vida dos jovens e até mesmo no futuro de
jovens à procura de emprego, e que pretendem sair da sua área de residência
para vivenciar novas experiencias ou até mesmo criar raízes noutro lugar.
“O Joaquim é pensionista (reforma minima)
e vitima de violencia doméstica, com enormes problemas de mobilidade, inscrito
para habitação social a que nunca teve direito dado viver sozinho. Mora então
bem longe do local onde faz o seu quotidiano e tudo o que conhece, fazendo centenas
de Kms por mês, não porque gosta de morar no meio rural, mas porque é o único
sitio que consegue pagar” –
Joaquim (Viana do Castelo)
O acesso à habitação, quer pelo arrendamento, quer mediante
um empréstimo bancário está extramamente dificultado. No que toca ao
arrendamento, temos senhorios movidos pela ganância. Não se justificam, por
exemplo, 900€ de renda por um T2 no Seixal. Aliás, nenhuma família de classe
média consegue suportar este tipo de renda que dá para pagar um crédito para
uma moradia. As famílias com alguma ajuda conseguem arranjar 3 meses de renda,
caução, fiadores etc. para alugar, mas depois acontece o incumprimento mais
tarde, porque os preços praticados para arrendamento são desproporcionais ao
nível de vida/rendimentos das famílias.
No que toca ao crédito à habitação quando há cinquenta anos
atrás os nossos avós conseguiam pagar uma casa em 10 anos, hoje vemos as
pessoas endividarem-se por 40, 50+ anos, para poderem ter uma casa, e isto
partindo do pressuposto que terão direito ao crédito. As pessoas são meros
escravos do banco e desta roda capitalista. Depois são publicados estudos que
evidenciam que a percentagem de jovens afetados por depressão (na Europa) está
a subir. Esta realidade está a afetar sobretudo a geração de jovens que
nasceram nos anos 80 e depois.
“Mesmo
uma pessoa que invista na educação e que trabalhe há mais de 10 anos, como é o
meu caso, não consegue auferir de um salário suficiente para fazer face aos
valores de arrendamento que são pedidos pelos arrendatários. Não há noção em Portugal, acham que as
cidades são só para os turistas.”- Vera M. 41 anos (Évora)
3 – Análise das
politicas existentes
Existem vários programas que visam
apoiar o arrendamento de imóveis para habitação, no entanto o seu impacto na
população não é o esperado.
“A Maria
está a receber o RSI, que
foi o único apoio dado após um acidente de trabalho que a deixou incapaz de
continuar no mercado laboral, vive agora num apartamento que em tempos dividiu
com a filha. Apartamento este que tem como renda bem mais do que os seus
rendimentos mensais poderiam pagar, sendo impossível sequer pensar em mudar de
lugar, porque também dificilmente arranjaria mais barato vê-se agora
"obrigada" a dividir o apartamento/despesas com um indivíduo que mal
conhece. Faz anos que está inscrita para uma habitação social, talvez uma das
primeiras inscrições do seu concelho, sem qualquer resposta, dado não ser uma
prioridade somente pelo facto de não ter um agregado familiar.”- Maria (Viana do Castelo)
·
Porta 65 Jovem
O programa de apoio ao
arrendamento jovem destina-se a apoiar o arrendamento jovem isolado, em
agregado ou em coabitação. Podem concorrer jovens entre os 18 e os 35 anos (no
caso de concorrer em casal, um dos membros pode ter até 37 anos) que sejam
titulares de um contrato de arrendamento, não possuam nenhum património
imobiliário e não estejam a usufruir de nenhum outro apoio à habitação. O
programa atribui aos candidatos aceites uma percentagem de valor da renda como
subvenção mensal. Este apoio é concedido por um período de 12 meses, sendo que,
no máximo, um indivíduo ou agregado pode usufruir de até 60 meses de
candidatura. Estes apoios exigem um tecto de renda máxima para que se possa
usufruir deste auxílio em muitas cidades esse tecto é facilmente ultrapassado
deixando essas candidaturas nulas. É um processo muito moroso cheio de
burocracias muito difícil de conseguir.
·
Mercado Social de Arrendamento
O Mercado Social de Arrendamento é
uma das medidas integrantes do Plano de Emergência Social, apresentado pelo
Estado. Este programa dá apoio ao arrendamento e é feito em parceria com
câmaras municipais e alguns bancos. O objetivo é responder à elevada procura do
mercado de arrendamento disponibilizando imóveis devolutos e desocupados. Os
valores de renda mensais praticados são até 30% mais baixos do que os praticados
no mercado livre. Este programa é especialmente direcionado para agregados
familiares desprotegidos, cujas situações de fragilidade económica não permitam
aceder ao mercado de arrendamento livre pelos preços praticados. O maior
problema é que não entram imoveis novos nestes sistemas e os que existem estão
ocupados (chega a haver 1 casa para 500 ou 600 candidaturas).
·
Arrendamento Apoiado
O arrendamento apoiado consiste
num programa das autarquias locais que colocam à disposição os imóveis que
detêm para arrendamento por valores que são calculados em função dos
rendimentos dos agregados. Este programa é conhecido vulgarmente como habitação
social. Podem concorrer ao arrendamento apoiado cidadãos nacionais e
estrangeiros (com título de permanência), desde que não possuam imóveis
habitáveis no mesmo concelho nem usufruam de outros apoios financeiros para
fins habitacionais. É bom que existam estes tipos de medida, mas pecam pela
burocracia nas inscrições. Estas casas são depois atribuídas através de
sorteios, classificações e inscrição e por inscrição leva anos para que seja
atribuída uma casa, por classificação é dada prioridade a famílias com filhos,
pessoas com deficiência, famílias monoparentais, maiores de 65 anos e vítimas
de violência doméstica, e por sorteio é tudo menos justo.
·
Subsídio de Renda
O subsídio de renda foi criado
para ajudar os inquilinos com dificuldades económicas a fazer face aos aumentos
de renda. É aplicado a quem tem uma casa arrendada e a quem queira mudar de
casa e tem a forma de subsídio mensal.
Este subsídio destina-se a todos
os indivíduos cujos contratos de arrendamento tenham sido celebrados antes de
Novembro de 1990, que tenham mais de 65 anos ou cujo grau de deficiência seja
igual ou superior a 60%. Para usufruir deste subsídio, é necessário que, no
momento da comunicação do aumento da renda, o inquilino tenha evocado
debilidade económica (rendimentos brutos inferiores a cinco retribuições
mínimas garantidas) Ou seja, é muito bom que existam medidas assim, mas deixam
de fora uma grande percentagem da população.
·
O 1.º Direito
É um programa de Apoio ao Acesso à
Habitação, que tem como objectivo apoiar a promoção de soluções habitacionais
para pessoas que vivem em condições habitacionais indignas e que não dispõem de
capacidade financeira para suportar o custo do acesso a uma habitação adequada.
No entanto, mais uma vez a coisa não está a funcionar muito bem porque este
programa funciona como uma plataforma online. Logo aqui complica porque nem todos
têm acesso a internet ou computadores, e a plataforma exige autenticação ( por
ex: se for um agregado de 5 pessoas as 5 pessoas têm de se registar e
autenticar na plataforma como pertença de um agregado). Outro dos problemas é
que as casas que estão disponíveis são inseridas na plataforma pelos próprios
senhorios que disponibilizam as suas casas para este tipo de arrendamento, e o
resultado é mais uma vez poucas casas para muita procura.
Temos efetivamente algumas politicas de habitação. mas até
estas provaram ser insuficientes na resolução desta problemática. Programas
como a “Porta de Entrada”; “Da Habitação ao Habitat”; “Arrendamento Acessível”
programas que arrendam casas por preços reduzidos, porém apenas existem 20 ou
30 casas, para listas de espera na ordem das centenas, senão milhares. Outra
vez, insuficiente.
Tem de existir um maior financiamento e uma maior
intervenção, sobretudo do Estado. Isto não passa do ABC da lei da oferta e da
procura, mas precisamente por estas políticas serem tão lineares não estão a
servir o propósito para o qual foram concebidas.
4 – Quais são as
soluções ou melhorias que a Delegação Portuguesa apresenta?
·
Programas de renovação de bairros, acabar com as casas
devolutas, há tanta gente sem casa e tanta casa fechada.
·
Na altura da crise um dos sectores mais afectado foi o da
construção, o que levou a uma crise neste sector.
·
O Estado deveria impor tectos máximos no arrendamento,
pois num país onde o salário mínimo é de 600 euros não +e aceitavél que o preço
médio das casas seja de 650 euros.
·
Acabar com a
especulação imobiliária, aqui há uns anos arrendava quem comprava segunda casa
ou quem herdava casas e rentabilizava-as desta forma, com a especulação
imobiliárias isso mudou, com as promessas milionárias das imobiliárias que aliciam compradores com
base em valores astronómicos que poderão vir a receber se colocarem o imóvel
para arrendamento.
·
Uma
reavaliação/reestruturação do setor turístico Português, que tem como
fundamental mais valia o povo Português e tudo o que de tipico o acompanha.
Assim, estamos a permitir que os lucros e desenvolvimento econômico a curto
prazo se sobreponham ao futuro do nosso país. Tornando as cidades que tanto nós
como os estrangeiros adoram em centros comerciais a céu aberto.
·
Uma
fiscalização séria dos preços para quartos de estudantes/geral, que não devem
passar valores previamente estipulados e justos.
5- Desejos de Natal
·
A habitação é a base na vida de qualquer pessoa. É ela
que garante a estabilidade necessária e previne os riscos que poderão pôr em
causa outros direitos, como o direito à saúde, à educação, à mobilidade, ao
emprego.
·
Ter uma casa pode também ser a diferença entre ter acesso
a direitos humanos essenciais como água e saneamento, energia e comunicações.
·
A defesa dos direitos humanos exige um compromisso resiliente por parte de
TODOS com a proteção dos que são vítimas de pobreza.
6 –
Mensagens da Delegação Portuguesa 2019
O direito à habitação
é um direito fundamental de justiça social, pois permite a cada cidadão a sua
própria realização e desenvolvimento, assim como o seu contributo numa
sociedade mais inclusiva. Contudo é importante salientar que nem todas as
pessoas em pleno século XXI têm este direito assegurado. Assim, a delegação
portuguesa no 18º Encontro Europeu de Pessoas em Situação de Pobreza coloca a
seguinte questão: Se a habitação é um direito universal, porque é que ainda
existem cerca de 4000 pessoas em Portugal em situação de sem-abrigo?
O Acesso à habitação
é fundamental porque a pobreza não é Ficçao!
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