“Temos de saber respeitar o ritmo do território”



Catarina Oliveira, EAPN Portugal

“Temos de saber respeitar o ritmo do território”

Catarina Oliveira lembra-se exatamente do dia em que soube a notícia de que tinha sido selecionada para ficar a trabalhar no núcleo distrital de Vila Real da EAPN Portugal. Rumou de Coimbra, onde nasceu, a Vila Real cheia de vontade e determinação de fazer um trabalho que, como socióloga, a motivava completamente. Sempre gostou da área social, da intervenção com pessoas e grupos mais vulneráveis e desfavorecidos. E, depois, a novidade de explorar e conhecer um novo território, as suas potencialidades e limitações. Não conhecia nada, nem ninguém e deitou mãos à obra, agarrando uma oportunidade que iria mudar a sua vida para sempre. Iniciou a sua atividade em junho de 2005, com a finalidade de congregar um conjunto de instituições de solidariedade social do distrito e com elas desenvolver diversas estratégias de intervenção, com vista a erradicar a pobreza e a exclusão social.

Esta oportunidade de trabalho surgiu do facto de a EAPN Portugal ter, então, em curso a abertura de delegações em todas as capitais de distrito. Hoje, a partir dos dezoito núcleos distritais tem a capacidade de desenvolver a sua missão em todo o país, adequando, muitas vezes, o seu programa de atividades às realidades locais e ajustando-o às necessidades e especificidades dos territórios. O distrito de Vila Real não foge à regra. E, mesmo no distrito, há necessidades diferentes porque, necessariamente, os concelhos são diferentes e, por exemplo, Vila Real é bem diferente de Mesão Frio e os problemas que se colocam a um concelho não se colocam a outro. Se a cidade de Vila Real está bem servida de transportes públicos, a vila de Mesão Frio, não. Mas o sector dos transportes é apenas um exemplo.

São diversas as esferas de atuação de Catarina Oliveira, sendo o elo de ligação entre aquele território e a sede nacional da EAPN Portugal. São diversas as parcerias em funcionamento e o trabalho desenvolvido em articulação com as diferentes autarquias e outras instituições e organizações não-governamentais que atuam no terreno e desenvolvem muitos projetos conjuntos onde os consórcios entre todos revelam em pleno, quando levados a sério, as mais valias de um efetivo trabalho de equipa, contribuindo para a solução de múltiplos problemas.

“Atuar neste território e trabalhá-lo foi uma aventura. Não só do ponto de vista geográfico, como na perspetiva social, histórica, económica, sociológica”, diz Catarina Oliveira. “No início tive de fazer diferentes levantamentos, ver quais eram as prioridades e, ao mesmo tempo, dar a conhecer quais os objetivos da EAPN Portugal e as suas metodologias de trabalho. A participação, por exemplo, é fundamental, na nossa organização. E depois aplica-la no quotidiano, em diferentes iniciativas e com públicos diversos, é outro dos desafios”, explica a socióloga que vê nas metodologias participativas “uma forma diferenciada de ir ao encontro da comunidade, de as fazer sair de si e as levar a olhar para os seus problemas com maior conhecimento, com mais informação e formação. É necessário compatibilizar os valores da cidadania e da participação”, refere.

Apesar da Formação ser umas das vertentes que maior reconhecimento tem, pois “somos muito procurados como entidade formadora de qualidade”, temos atuado em diferentes frentes, individual ou coletivamente”, explica Catarina Oliveira, sublinhando que o trabalho realizado em equipa, com outras organizações, tem sido muito acarinhado e proveitoso. A Educação, por exemplo, é umas das valências valorizadas, transversal a muitos projetos, destacando, entre outros, o trabalho em curso com algumas escolas, nomeadamente, com o Agrupamento de Escolas Morgado Mateus de Vila Real. No âmbito do projeto pedagógico apresentado pelos pais e encarregados de educação do 1º ciclo da Escola de Torneiros, validado e aprovado pelo Conselho Pedagógico da mesma escola, surgem as Assembleias Escolares como momentos de participação democrática em que todas as decisões respeitantes à vida da turma são tomadas em conjunto. Este é o espaço onde o aluno tem a possibilidade de “apresentar críticas e sugestões relativas ao funcionamento da Escola e ser ouvido pelos professores, diretores de turma e órgãos de administração e gestão da Escola em todos os assuntos que justificadamente forem do seu interesse”, lê-se no documento que apresenta este projeto, reforçando: queremos “proporcionar aos alunos experiências que favoreçam a sua maturidade cívica e sócio afetiva, criando neles atitudes e hábitos positivos de relação e cooperação, quer no plano dos seus vínculos de família, quer no da intervenção consciente e responsável na realidade circundante”. Recentemente foi organizado o debate “Assembleias Escolares: o que são e o que podem ser?” com o objetivo de auscultarmos este público e desenharmos as próximas assembleias escolares que arrancarão no próximo ano letivo (2018/2019).  

Mas há mais: o micro projeto “Ser + Cidadão: capacitar e empoderar” consiste na ativação da participação em situação de desfavorecimento social “e está no ADN da EAPN Portugal desde a sua fundação. A vasta experiência desta organização na ativação de públicos excluídos contribui para a defesa da premissa de que é necessário melhorar a intervenção social ao nível da capacitação destes públicos no que diz respeito ao empoderamento individual dos mesmos”, explica Catarina Oliveira. Este micro projeto é um espaço de participação, permitindo o exercício de uma cidadania ativa através da exploração das competências de cada participante tendo dado origem a uma publicação - “Guia testado para a ativação das pessoas em situação de desfavorecimento social” -  direcionada para todos os profissionais do trabalho social com intervenção com este tipo de públicos. Aliás, a produção e partilha de conhecimento é um dos pontos fortes da atuação da EAPN Portugal, desde a sua fundação no nosso país. “Do meu ponto de vista, enquanto técnica, este projeto constituiu um ponto de viragem do Núcleo Distrital, em 2014, porque “encaramos a participação no território do ponto de vista da auscultação dos cidadãos e essa mensagem passou para os parceiros. 

Funcionamos como uma espécie de laboratório social no âmbito da participação e cidadania, colocando-nos na agenda distrital das questões do empoderamento e participação das pessoas em situação de pobreza”, diz Catarina Oliveira.
Também em 2014 os associados do Núcleo Distrital de Vila Real da EAPN Portugal, criaram o Grupo de Reflexão Investigação-Ação onde são discutidos temas de interesse comum às organizações de economia social. O objetivo passa por identificar e analisar as respostas sociais que existem no país e no território de Vila Real “tendo uma perspetiva reflexiva sobre a (re)criação de novas respostas sociais com base na realidade quantitativa, mas também com base no conhecimento e experiências do terceiro setor. “Pretendemos deixar algumas possíveis pistas de ação para estas organizações poderem desenhar e/ou consolidar os caminhos para a sustentabilidade na luta contra a pobreza e exclusão social. O documento produzido, intitulado “Análise Reflexiva das Respostas Sociais do Distrito de Vila Real” revela que o território de Vila Real não está coberto ao nível das respostas sociais tipificadas pelo Instituto da Segurança Social e, por outro lado, há a necessidade de tornar as instituições do terceiro setor sustentáveis sendo que a criação de novas respostas sociais pode ser uma das vias para essa sustentabilidade. Com base na Carta Social, este grupo visa “indicar quais as respostas sociais existentes e caracterizá-las. Desta forma, poderemos ter uma visão das respostas sociais que existem em menor número no nosso distrito e, até mesmo, as que não existem. A ausência de algumas respostas sociais, assim como a necessidade de diversificação das respostas das instituições do distrito é uma das nossas preocupações”, já expressa em diferentes momentos, nomeadamente no Encontro Distrital de Dirigentes, ações de formação, ciclo de workshops, entre outros.

“Quando começamos a fazer o nosso trabalho os conceitos de trabalho em rede, de participação eram muito pouco conhecidos e até pouco praticados e o nosso trabalho, aliado a outras parcerias, veio fazer a diferença. Começamos a ter resultados diretos e isso causa grande satisfação apesar de, por exemplo, continuar a ser difícil fixar as pessoas, quer em projetos, quer no próprio território que por exemplo, deveria ter mais oferta de emprego. Nos Conselhos Locais de Cidadãos, por exemplo, a participação das pessoas é fundamental, mas é também volátil e, por outro lado, não é fácil explicar na teoria, a vantagem de estar inserido na dinâmica de um grupo com estas características”, explica Catarina Oliveira, sublinhando que, “apesar das dificuldades, há sempre casos bem-sucedidos. Estou certa que após estes13 anos de trabalho, da presença da EAPN Portugal no distrito, a nossa intervenção já é reconhecida em diversas áreas de atuação e o nosso respeito pelo território é evidente. Sim, porque neste trabalho que desenvolvemos é preciso saber respeitar o ritmo do território”.

Esta entrevista é parte da nova rubrica TERRITÓRIOS, que integra a revista FocuSocial. Pode ler o texto na íntegra, AQUI



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