Carla Maia de Almeida,
escritora e jornalista,
acaba de editar Em Nome da Filha
acaba de editar Em Nome da Filha
“A MINHA CASA É A MINHA
ESCRITA”
“Alguma coisa surgirá, se eu pensar e esperar
um pouco”, lê-se em A Princesinha,
livro de Frances Hodgson
Burnett. E Carla Maia de Almeida, escritora e
jornalista, que o leu na infância e o guardou para todo o sempre, sabe disso
muito bem. É mulher de pensamento cavado, de pousio, de ritmos e rituais que
desdenham o tempo alucinado e voraz. Silêncios e contemplações são fundamentais
na sua escrita, quer seja dirigida a crianças, jovens ou adultos. Quer no
registo literário, quer no jornalístico. Dona de uma boa memória sensorial e
sinestésica, recorda com facilidade momentos fundadores, instantes catárticos:
o local exato onde lhe nasceu uma história; a sensação de abraço retribuído, do
outro lado do mundo, deitada num campo da Nova Zelândia; a singular postura
corporal de um entrevistado que a tenha marcado; um gesto que contrarie,
acentue ou confirme a palavra dita. Atentíssima ao mundo, tudo à sua volta é um
terreno em compostagem, fértil e benigno, como o do jardim da casa que sonha e
procura.
Valoriza o ser em permanente construção; a linguagem simbólica; o
inconsciente coletivo e individual; a família tribal e a solidão de “saber
estar só”. Aliás, os sítios com muita gente causam-lhe “angústia”, o que não
que dizer que não aprecie comunicar. Gosta muito de dar palestras, de interagir,
de colocar algo em comum com o Outro.
E tem alma colecionadora. Colige - mas nem
sempre expõe - palavras encantadas, como “mansarda”, por exemplo, e guarda
imagens, como postais a ilustrarem épocas. Guarda objetos da infância numa mala
pequenina, vermelha – a sua mala de escritora –, que às vezes a acompanha às
escolas onde a convidam a ir. E conta as histórias livres desses objetos presos
a um tempo, carregados de significado.
Tem doze livros publicados, todos dirigidos à
infância e juventude, com exceção da reportagem Em Nome da Filha. Considera que Irmão
Lobo é a sua obra-prima. Traduzido para diversos idiomas, conta, com luz ao
fundo, a história de uma família a desmoronar-se. A boa notícia é que vem aí a
sequela. Mais dia, menos dia. Que a água, fluída, elemento presente no final da
história, permite abrir caminho com mais facilidade. E Carla Maia de Almeida
conhece e respeita o poder do simbólico. E o da água, origem e veículo de toda
a vida, não lhe é indiferente. Talvez por isso, o seu olhar humedecido, ora
terno, ora acutilante, possa ser o solo líquido da flor de lótus. Como na
mitologia egípcia: “um grande lótus saído
das águas primordiais, berço do sol na primeira manhã”.
Em
Nome da Filha - Retratos de Violência na Intimidade,
reportagem que fez para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, foi o mote para
esta entrevista. O livro reúne testemunhos de mulheres vítimas de violência
doméstica, entrevistadas em diversos pontos do país. “Ainda me está colado à
pele; estou desejosa de que se me descole. Convocou muito de mim, dos meus
valores, do meu percurso pessoal como mulher e como filha. Quando o acabei, nem
queria acreditar”. E depois de o lermos, também não queremos acreditar na
violência suportada por tantas vidas.
Carla Maia
de Almeida quis contar a história destas mulheres com justiça, sem lamechice e
com rigor. Conseguiu. E deu-lhes dignidade.
Este
é um livro bastante duro. Histórias reais, violentíssimas.
Como
foi ouvir estas mulheres?
Em primeiro lugar, gostava de dizer que
demorei bastante tempo a escrevê-lo, mais do que a Fundação Francisco Manuel
dos Santos gostaria. Não tenho o dom de pensar depressa e bem. Depois, não
escondo, este livro teve em mim uma grande repercussão interior. Foi um
trabalho jornalístico bastante difícil; e do ponto de vista emocional, o mais
difícil que fiz. Ouvir estas mulheres, olhos nos olhos, teve um impacto atroz,
com consequências a diversos níveis. Cheguei, inclusivamente, a somatizar o
processo de escrita. Nunca contei isto publicamente: eu estava muito envolvida
com este trabalho, muito mesmo, e, a dado momento, tinha uma entrevista marcada
numa instituição. Na noite anterior, ao sair do meu quarto, fui contra a
esquina de uma porta e magoei-me bastante. Sangrei muito, fiquei visivelmente
pisada. De manhã, não estava em condições de sair de casa. Telefonei a dizer
que não podia comparecer. Compreenderam. Quando consegui sair, coloquei base,
disfarcei, saí de óculos escuros. Enquanto caminhava, sentia-me como uma mulher
agredida. Foi muito estranho, mas aconteceu. Eu acredito muito na linguagem do
corpo.
Por favor continue a ler AQUI
Comentários
Enviar um comentário