Artigo de Opinião
(Des)Igualdades de género:
vislumbres e utopias de uma sociedade (que se diz)
democrática
Por: Sofia Neves
Docente e investigadora no Instituto Universitário da Maia
(ISMAI) e no Centro Interdisciplinar de Estudos de Género (CIEG – ISCSP,
ULisboa); Presidente da Associação Plano i
O desafio de pensar a igualdade de género pressupõe um
desafio prévio: o de analisar a democracia naquilo que ela tem de mais
essencial, isto é, o acesso pleno de todas as pessoas a direitos e garantias
fundamentais.
Ainda que Portugal tenha assumido compromissos vários
decorrentes da sua participação em diferentes organismos internacionais (e.g.,
Conselho da Europa, Organização das Nações Unidas) e consagre na sua
Constituição o princípio da igualdade (artigo 13.º), sendo tarefa fundamental
do Estado, entre outras, a promoção da igualdade entre homens e mulheres
(artigo 9.º), a sua efetivação é ainda uma utopia. O vislumbre da igualdade não
passa, por isso mesmo, de um vislumbre.
Todos os indicadores internacionais e nacionais apontam para
o facto da desigualdade de género persistir na sociedade portuguesa, afetando
as mulheres nas várias esferas da sua vida. A título ilustrativo, e de acordo
com o World Economic Forum, Portugal
apresentava, em 2016, um Global Gender
Gap Index de 0.737. Assim, num ranking de 144 países, o país figurava na
31.ª posição, estando a Islândia na 1.ª posição com um índice global de 0.874,
ou seja, o mais próximo da igualdade (valor de 1).
Com efeito, a realidade das mulheres portuguesas é marcada
por muitas assimetrias que transversalmente as constrangem nos seus direitos e
garantias, como evidenciam os elementos que a seguir se expõem.
As mulheres ocupam os lugares cimeiros nos números do
desemprego, também por terem sido as mais afetadas pelas medidas de austeridade
impostas pela Troika. De acordo com os dados do estudo Desigualdade do
Rendimento e Pobreza em Portugal: as consequências sociais do programa de
ajustamento, publicado em 2016 pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, as
mulheres foram as mais fustigadas pela crise económica. A incidência da pobreza
é claramente superior (mais 5.8 pontos percentuais) no caso dos agregados
familiares cujos indivíduos de referência são mulheres. Verifica-se que o ganho
médio equivalente das mulheres representava, em 2009, 84% do auferido pelos
homens, tendo essa proporção descido para 77%, em 2014. O agravamento das
diferenças salariais entre homens e mulheres no período entre 2009 e 2014 foi
evidente. O ganho médio equivalente dos homens sofreu uma redução de 1.5%,
enquanto o rendimento das mulheres diminuiu 11.5%. As famílias com
representantes do sexo feminino registaram uma quebra de rendimento de 20%, ao
passo que as famílias com representantes do sexo masculino registaram um
decréscimo de 8%. (...)
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