MANIFESTO
Para erradicar a pobreza e a exclusão social ─ marcos de uma estratégia inadiável
Ao longo dos últimos meses, a EAPN Portugal, em colaboração e com a participação de um grupo alargado de organizações sociais de âmbito nacional, regional e local, diversas universidades e cidadãos e cidadãs ,compartilhando experiência e saber, promoveu vários encontros procurando refletir sobre o impacto da crise nos direitos das pessoas que se encontram em situação de maior vulnerabilidade social. O objetivo é o de pôr em marcha um processo participado de análise e agregação de ideias e posteriormente chegar a um consenso sobre uma Estratégia nacional de Erradicação da Pobreza e da Exclusão Social em Portugal.
O presente documento condensa o primeiro resultado dos referidos encontros e pretende ser um ponto de partida para o debate e a reflexão de todos os agentes económicos e sociais implicados na luta contra a pobreza.
Identificação e análise do problema
a) Enquadramento
• A Pobreza e a Exclusão Social são problemas estruturais da sociedade portuguesa. Não são fruto do acaso nem uma inevitabilidade. As suas raízes são profundas e decorrem do modo como a sociedade e a economia estão organizadas, assente num modelo económico baseado em baixos salários, que tende a desvalorizar o fator trabalho e que é sustentado na desigualdade com que se reparte a riqueza e o rendimento.
• Por outro lado, assistimos ao recente agravamento daqueles problemas, associado diretamente a uma conjuntura de forte recessão económica, cujas consequências mais visíveis são o desemprego, o emprego precário e o empobrecimento generalizado da população. A crise económica e social que assola o país deve ser encarada como uma oportunidade de mudança de paradigma, valorizando o respeito pelos direitos humanos e uma sociedade democrática assente nos valores da dignidade humana, da justiça social e da responsabilidade coletiva.
• A definição de uma Estratégia de Erradicação da Pobreza e da Exclusão Social implica uma mudança de paradigma, que inclui, designadamente, alterações profundas no modo de entender o desenvolvimento económico e definir as correspondentes prioridades. A intervenção da Troika e a austeridade imposta à sociedade têm subjacentes a ideia de que o crescimento económico, por si só, resolve os problemas sociais. No entanto, é sabido que nem todos os modelos de crescimento económico conduzem à redução da Pobreza, e que esse crescimento até pode coexistir com o agravamento desse fenómeno. Daí a necessidade imperiosa de configurar as políticas públicas recentrando as prioridades nas pessoas e não nos mercados financeiros, por mais importantes que estes continuem a ser do ponto de vista instrumental.
• A Pobreza não é uma questão residual e não se resolve apenas com ações de assistência social. Esta é necessária para acorrer a situações urgentes, mas não atinge as causas. Também as políticas sociais, indispensáveis para fazer frente no imediato às situações de pobreza extrema, devem ser reforçadas, ainda que a sua eficácia na redução sustentada da Pobreza no longo prazo seja fortemente limitada. O combate à Pobreza e Exclusão requer, também, uma gama vasta de outras políticas públicas, nomeadamente uma política económica que, além do mais, assegure uma repartição primária do rendimento menos desigual.
b) A oportunidade
A atual conjuntura, apesar dos constrangimentos existentes, pode revelar-se favorável à implementação de uma Estratégia nacional de erradicação da Pobreza e da Exclusão Social, desde que exista vontade política nesse sentido. A oportunidade é reforçada pelo atual período de financiamento comunitário (2014-2020), que integra a dedicação, obrigatória para os Estados-Membros, de 20% do FSE para o combate à Pobreza.
Propostas
a) Princípios orientadores de uma estratégia
Em 2008, a Assembleia da República considerou, em duas resoluções, por consenso, a pobreza como uma violação de Direitos Humanos. Esta resolução tem constituído “letra morta”; importa chamar a atenção para a sua existência, para que se possa definir e aprovar um diploma legal com uma Estratégia nacional de erradicação da Pobreza e da Exclusão Social.
Propomos como princípios orientadores os seguintes:
• Políticas sociais baseadas em Direitos Humanos, nas áreas do trabalho digno, de serviços públicos de qualidade e de habitação digna. A este nível salientamos a necessidade de a Assembleia da República se dotar de um mecanismo de avaliação de impacto das políticas macro e sectoriais sobre a incidência da pobreza, ambição esta várias vezes mencionada e, inclusivamente, elemento constante da supracitada resolução.
• Uma economia sustentável que tenha como um dos seus objetivos prioritários a erradicação da Pobreza, nomeadamente através do combate às desigualdades económicas e territoriais, e uma distribuição mais justa do rendimento resultado de empregos de qualidade e do acesso universal a serviços básicos de qualidade, designadamente de educação e de saúde. Investimento no apoio social com caráter preventivo, pressupondo uma visão holística da intervenção e da ação em cada um dos domínios do bem-estar e que seja mais próximo das pessoas e à medida dos problemas apresentados (respeitando as especificidades territoriais e de determinados grupos / pessoas).
• Intervenção de longo prazo, a par das necessárias soluções de curto prazo, desenhada segundo a perspetiva ecológico-sistémica e que contribua para a consolidação de territórios menos vulneráveis.
• Distribuição geográfica mais racional das ações, numa lógica de descentralização para um modelo mais próximo das redes sociais locais e que pressuponha uma parceria efetiva entre todos os atores sociais.
• Participação das partes interessadas no desenho, implementação, monitorização e avaliação dos resultados.
• Promoção de ações de capacitação/qualificação dos serviços públicos e das organizações da sociedade civil que atuam no domínio da luta contra a pobreza.
b) Proposta de roadmap / condições para a elaboração da estratégia
Uma Estratégia desta natureza implica um processo de concertação e responsabilização partilhada entre vários organismos públicos e privados.
É necessário reforçar o diálogo social e cívico e que esse diálogo possa constituir um importante instrumento do processo legislativo.
É necessário criar um grupo interinstitucional, cuja composição deverá espelhar a multidimensionalidade dos fenómenos da Pobreza e da Exclusão Social, e cuja missão deverá ser a da definição de uma Estratégia nacional, que identifique os problemas e implemente um conjunto de medidas que previnam e combatam a Pobreza e a Exclusão Social.
A coordenação nacional da Estratégia e sua implementação deverá estar a cargo do Primeiro-ministro, que deverá dispor de um organismo técnico de apoio e de um órgão de participação que integre representantes dos diferentes ministérios, do poder local, das organizações sociais, pessoas que diretamente experienciam situações de pobreza e/ou exclusão, e individualidades particularmente qualificadas na matéria. Apesar da coordenação nacional, a governação deve ser participada e descentralizada ao nível local. As autarquias e as Redes Sociais concelhias têm aqui um papel fundamental no reforço e mobilização dos cidadãos e cidadãs e na implementação das intervenções.
c) Ações subsequentes
• Alargar o debate agora iniciado com o objetivo explícito de evidenciar que a pobreza não é somente ou exclusivamente um problema das pessoas em situação de pobreza, mas constitui um défice de qualidade da nossa vivência democrática e um fator de debilitação da coesão social.
• Realizar um Seminário subordinado ao tema “ O papel da Luta Contra a Pobreza no futuro da Europa”, a efetuar na Sala do Senado da Assembleia da República, 16 de abril de 2014, às 10:00 horas. Este Seminário contará com a presença dos representantes dos Grupos Parlamentares.
• Conferência de Imprensa de apresentação do Manifesto (data a definir)
• Elaboração de um documento de tomada de posição com propostas concretas para uma Estratégia nacional de combate à Pobreza.
17 de Março de 2014
Subscritores do Manifesto até ao momento:
Alcides Monteiro, Alfredo Bruto da Costa, ANIMAR, APAV, APDSI, APF, Caritas Portuguesa, Carlos Farinha Rodrigues, FENACERCI, Fernanda Rodrigues, CESIS, EAPN Portugal, Elza Chambel, Francisco Branco, Instituto de Apoio à Criança, José Pereirinha, Maria Joaquina Madeira, Maria Manuela Silva, Pedro Hespanha, Saúde em Português, Sérgio Aires.