Projectar o passado no futuro
A EAPN Portugal celebra hoje oficialmente o seu vigésimo aniversário. Embora concorde com a ideia de que quem vive do passado são os museus, uma existência de duas décadas merece ser assinalada sendo, acima de tudo, uma grande oportunidade para, olhando para o passado, preparar o futuro. Nascemos do reconhecimento de que as sociedades são responsáveis pela superação dos seus problemas e de que as democracias necessitam de uma forte e ampla participação e co-responsabilidade de todos os actores. A quase totalidade destes 20 anos foi dedicada à construção de bases sólidas para a concretização de três objectivos: 1) produzir e difundir conhecimento sobre o fenómeno da pobreza e da exclusão social; 2) capacitar os diferentes actores para uma compreensão destes fenómenos e uma acção mais eficaz no combate aos mesmos; 3) influenciar positivamente a definição e implementação de políticas que, paulatinamente, pudessem responder a estes fenómenos. Ao fim de 20 anos, e embora muitas vitórias tenhamos acumulado (com destaque para a capacitação das pessoas em situação de pobreza para poderem, na primeira pessoa, contribuir para a solução dos seus problemas), parece claro que o que temos pela frente – particularmente tendo presente o actual contexto – é um trabalho de continuidade. Não se trata de fazer mais do mesmo. Trata-se de prosseguir numa estrada que, embora tortuosa, acreditamos ser a única que nos conduz ao nosso principal objectivo: a erradicação da pobreza não como algo abstracto mas como forma muito concreta de restituir a dignidade às pessoas que se encontram nessa situação de violação dos mais básicos direitos humanos. Sinceramente e pessoalmente, tenho que admitir que não esperava assistir em 2011 a um tão gigantesco desafio no que ao combate à pobreza e exclusão social diz respeito. Se o combate à pobreza já era uma tarefa titânica no passado recente, os desafios que temos hoje pela frente quase nos fazem desacreditar nessa possibilidade. Quase. Na minha opinião aquilo a que estamos a assistir é precisamente ao estertor final de um ciclo. Um ciclo onde as desigualdades se aprofundaram, onde a democracia foi posta em causa e onde os cidadãos, à escala global, se encontram numa situação de vulnerabilidade quase sem precedentes. É por isso mesmo que acredito veementemente que estamos perante o alvor de um novo paradigma. Torna-se imperioso que, para que as políticas possam ser de facto consequentes e estar ao serviço do bem-comum, que as mesmas sejam enformadas por valores à altura dos problemas que tentam enfrentar. É chegado o momento de colocar a questão do combate à pobreza a este nível. A decisão de pôr em campo estratégias de combate à pobreza deve assim significar a adesão e a defesa de um conjunto de valores. E, tais valores, devem estar acima de todos os interesses, sejam eles pessoais, políticos, partidários ou quaisquer outros. De que valores falo? Nada que não tivéssemos já ouvido antes. Mas que nunca conseguimos praticar com a profundidade necessária para conhecer os seus resultados e para evitar a situação desastrosa que chegamos. Falo de ter a Justiça como fundamento da Dignidade; a Igualdade como regra de convivência; a Partilha como expressão da solidariedade; a proximidade como forma de ser humano. Sem estes valores éticos básicos, aos quais convém acrescentar a verdade, o belo, a liberdade, as relações humanas estão seriamente comprometidas – como objectivamente acontece actualmente (e não nos faltam exemplos) – e não haverá qualquer hipótese de enfrentar, de uma forma real e eficaz, as situações de pobreza. É imprescindível, quotidianamente, fazer nossos os problemas dos outros porque, e definitivamente, a pobreza não é um problema individual e não existem inocentes. É aqui que acredito que iremos concentrar todos os nossos esforços e energias. Finalmente, a celebração deste aniversário seria também o momento de agradecer a muita gente todo o seu empenho, trabalho e dedicação a esta Missão. Mas, honestamente, julgo que não temos que agradecer. O trabalho que fazemos e para o qual, de facto, temos contado com muitos aliados e colaboradores é uma obrigação. A responsabilidade pela existência de pobreza e desigualdades nas nossas sociedades é de todos. A não concretização de tal envolvimento e co-responsabilização para a sua erradicação seria uma negação da nossa própria condição de seres humanos.
Pe. Agostinho Jardim Moreira
Presidente da EAPN Portugal / Rede Europeia Anti-Pobreza
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