19º Encontro de Pessoas em Situação de Pobreza | 24 e 25 novembro | Mensagens da delegação portuguesa
Delegação
Portuguesa 2021
– 19º Encontro de Pessoas em Situação de
Pobreza -
24 e 25
de Novembro de 2021
1-Prioridades selecionadas
A EAPN Portugal tem
desenvolvido um conjunto de ações com os cidadãos, designadamente com os membros
dos Conselhos Locais de Cidadãos[1] (CLCs) com o
objetivo de perceber o impacto da pandemia na vida dos cidadãos. Assim, deste
trabalho de reflexão sobressaem três temas fundamentais: o acesso à saúde, à habitação
e ao rendimento. Importa ainda destacar a que o tema definido este ano para o
Fórum Nacional de Combate à Pobreza é a área da habitação onde estão a ser
desenvolvidas reuniões com as autarquias e connosco no sentido de perceber que
estratégias locais de habitação estão a ser desenvolvidas.
1.1
Acesso à Saúde
A delegação
portuguesa considera preocupante a questão da saúde mental fruto da situação de
incerteza e medo que se viveu face a uma realidade inesperada que abalou todo o
quotidiano, incluindo a forma como se relacionam com os outros. Considera que
existe um agravamento da saúde mental destacando o isolamento, a
sensação de vazio e o sentimento de solidão como causas centrais:
“…passei um período muito complicado,
para além da morte da minha filha, o confinamento trouxe um impacto muito
significativo na minha saúde mental….”
Uma outra
dimensão passa pelo agravamento da saúde em patologias não COVID, ou
seja, verificou-se ao longo deste período uma centralidade dos serviços no
combate à pandemia o que gerou uma secundarização de cuidados a outras
patologias - a situação agravou-se particularmente com os chamados “utentes
de risco”: diabéticos, hipertensos e outras patologias, mais ou menos comuns no
seio da população portuguesa. Aqui a questão do rendimento tem um
papel central, também, uma vez que quem não tem recursos para aceder à medicina
privada vêm agravados os seus problemas de saúde, convivendo com uma espécie
de sentimento de impotência e passividade: “… tenho este problema, mas não tenho dinheiro para recorrer aos
(serviços) privados… são muito caros e não tenho nenhum seguro…”.
No que diz respeito à dimensão da acessibilidade, considera-se que
não foi fácil aceder à saúde durante a pandemia. Verificaram-se um conjunto de dificuldades,
desde logo, privação de serviços de saúde mais básicos como consultas para
pessoas de risco, exames médicos, prescrição de medicação ou outros serviços
essenciais: “Há pessoas que levam dias e dias a telefonar e não são atendidas. Há
assuntos que não estão a ser devidamente falados e discutidos e quando o são é
de forma generalizada e não resolve nada.” Juntam-se a estas dificuldades, o
adiamento de consultas e outros serviços médicos. Um dos elementos refere uma
situação que viveu após várias tentativas de consulta: “… o médico de família relativizou e não deu
nenhum encaminhamento. O que valeu foi uma colega que tem uma filha médica e
lhe enviou fotos do olho do meu filho… disponibilizou-se para atender e no
final teve de ser operado…porque a situação era grave…” Outro elemento
retrata uma situação que vivenciou também nesse sentido: “senti-me mal e não conseguia comer pois estava com o início de uma
Em termos globais, a delegação portuguesa considera que ao longo deste
ano se verificou um agravamento das
dificuldades no acesso à saúde das pessoas mais vulneráveis, o que poderá
contribuir para um agravamento da situação de saúde em termos gerais. Destaca-se
a degradação da saúde mental neste período, designadamente “as dificuldades em aceder a consultas de especialidade e às dificuldades em
aceder a consultas de rotina”. Foi igualmente
destacado como relevante “a falta de
informação e o facto de não conseguir estabelecer contacto com os serviços de
saúde”.
Relativamente à Vacinação existe alguma expectativa e angústia: “… quando vamos ser vacinados? A vacina é eficaz? E os
outros problemas de saúde? Será já demasiado tarde para muitas pessoas?”. Verifica-se igualmente um sentimento de esperança em que se aguardam os
desenvolvimentos posteriores: o tempo em que se possa atingir a “imunidade de
grupo” e que a vida possa “regressar ao normal”, em que a população esteja
maioritariamente vacinada e quais os cuidados que deveremos ter, nessa altura
para controlarem a pandemia e no que ela nos transformará.
A vacinação surge
como um elemento novo e positivo, mas destaca-se também o reconhecimento da gratuitidade
e universalidade do Sistema Nacional de Saúde. Aguarda-se ainda com
bastante expectativa o regresso à normalidade, embora se reconheça que este
regresso não será feito sem mudanças e uma dessas mudanças, já em curso, é a da
digitalização dos serviços. No entanto, a digitalização não é vista de
forma passiva e livre de constrangimentos. Para os membros, o acesso aos serviços digitais são um dos entraves
no acesso à saúde e poderá ter contribuído durante este período também para um
afastamento das pessoas dos serviços de saúde e para um agravamento da sua
condição de saúde. “Há consultas online, marcação de consultas online;
pedido de receitas online, recebimento de receitas online. Ou seja, recebe-se
no email e no telemóvel. E há muita gente que não sabe lidar com isso ainda.
Recebe os códigos no telefone e diz: eu não sei o que está na receita. Eu não
sei o que está aí receitado”. Foram relatadas situações em que, por
exemplo, o acompanhamento psicológico é feito por telefone ou com recurso a
mensagem, mas “numa crise de ataque de pânico uma mensagem de telemóvel não
vai ajudar”. Foi ainda destacado o
facto das pessoas que não tem dinheiro para aviar as receitas na sua totalidade
e o facto de receberem a receita, com um código, no telemóvel, e de
desconhecerem que não são “obrigadas” a pedir todos os medicamentos receitados,
leva-as a não aviarem as receitas quando não têm dinheiro suficiente para as
mesmas. Destaca-se a ajuda que os farmacêuticos podem prestar nestas
situações. Apesar do digital ser mais rápido e mais funcional, não o é para
quem não tem conhecimentos digitais, não tem computador, não tem telemóvel, não
tem eletricidade, ou, por exemplo, não têm cobertura de rede na zona em que
vive.
1.2 - Acesso à Habitação
Contar com a solidariedade dos
senhorios e/ou proprietários revelou-se uma possibilidade para algumas pessoas:
“Tenho
4 meses de renda em atraso pois tive muitas despesas com … mas a senhoria sabe
que quando tenho dinheiro pago, por vezes não tenho o dinheiro todo para a
renda e só pago o que posso… ela sabe que eu lhe pago e compreende e aceita…”. Muitas
destas situações são resolvidas com “conversas” com os senhorios: “foi super compreensivo, expliquei-lhe tudo e
nunca me exigiu o dinheiro nem me colocou ordem de despejo. Acabei por pagar
tudo, mas tive que cortar em muitas coisas… na alimentação e outras que tive de
deixar de comprar…”. O peso das despesas habitacionais num orçamento
de um agregado familiar é significativo, principalmente se esse agregado se
encontrar numa situação já de si vulnerável e leva a que as pessoas tomem
decisões difíceis como a que está descrita em cima: cortar em muitas coisas,
uma delas a alimentação.
Alguns referiram ainda que a
solidariedade foi mais visível na primeira fase da pandemia, mas que mudou com
a segunda e a terceira vaga. As pessoas encontram-se mais fechadas sobre si
mesmas e já não é tão fácil poder contar com a ajuda de terceiros, como os
vizinhos. Nota-se sobretudo uma maior intolerância.
Uma outra questão prende-se com as
situações de isolamento, por um lado, e as de sobrelotação, por
outro. Para os membros da delegação o isolamento das pessoas é uma realidade e
agravou-se com a pandemia. Paralelamente, regista-se também a sobrelotação das
habitações como forma de sobrevivência, ou seja, sem possibilidade de pagar a
habitação e suportar as despesas, com a perda de rendimentos, algumas pessoas
tiveram de sair das suas casas e recorrer a ajuda de familiares: “na minha casa de dois quartos, vivem duas
crianças uma filha e um genro, eu e outra filha com trissomia 21, a minha
reforma de viuvez e a pensão da minha filha, sustenta 4 adultos e duas
crianças. Não temos privacidade, não conseguimos ter espaço para nós próprios
pensarmos na vida…”. Nesta questão
da sobrelotação surge também, uma vez mais, o teletrabalho que continua
a ter efeitos nefastos na harmonia familiar, principalmente quando todos estão
em casa a trabalhar e não existem condições para tal. Um dos elementos da
delegação portuguesa refere “que sempre a mesma rotina e a casa cheia com as
crianças lhe metia confusão. Era muito gente e acabei por ficar com uma
depressão”.
Referem igualmente que a taxa de esforço das
pessoas para conseguirem alugar uma casa é extremamente elevado e o mercado
precisa de ser regulado de forma a ser mais acessível. Há um risco elevado
de aumento do “mercado negro” no setor da habitação, ou seja, as pessoas
alugarem sem declararem o que vai levar a que as pessoas, mais vulneráveis,
continuem com dificuldades em acederem à habitação. Uma outra dimensão
prende-se com as exigências de fiadores e/ou de caução (que em alguns locais
chegam a ser de 6 meses adiantados de renda): “eu estou a pagar 700€ da
minha casa. Como é que eu conseguiria ter 7x 700€ guardados para sair daqui e
entrar noutra casa?! É impossível.”.
Foi salientado também que existem, neste momento,
várias respostas, programas, mesmo locais, de ajuda às pessoas com problemas
habitacionais, mas o acesso às mesmas tem de ser feito via plataformas
digitais. Esta situação aumenta o desconhecimento sobre as ajudas, mas também a
dificuldade de acesso às mesmas e sobretudo como lidar com as plataformas
digitais: “as pessoas não sabem onde têm de marcar as cruzes, onde têm de
responder… A linguagem não é a mais acessível…. E depois se não se mete
exatamente o que deveria de ser… basta uma cruz do lado errado, acabou tudo.”
1.3
– Rendimento
A grande maioria dos membros da
delegação portuguesa considera que o valor da prestação não é suficiente,
nem adequado para se ter uma vida digna e aceder a um conjunto de bens e
serviços (habitação, água, eletricidade, aquecimento, telecomunicações,
alimentação, saúde, transportes, entre outros). Consideram igualmente que no
conjunto de bens a contemplar deveriam ser incluídos o lazer e a cultura
pois são centrais à inclusão da pessoa na sociedade, mas reconhecem ainda
grandes entraves na concretização desta ideia: “juntar lazer e cultura?! (…)
é ótimo. Mas isso é utópico”.
A ideia base do rendimento mínimo adequado é
ajudar as pessoas a saírem de uma situação de vulnerabilidade, proporcionando o
acesso a empregos dignos, mobilizando os cidadãos, trabalhando a motivação
individual para ultrapassarem os momentos de fragilidade. Tal não se verifica e
as pessoas continuam a ficar presas em situações de vulnerabilidade das quais
dificilmente conseguem sair: “eu estou desempregada neste momento. Começo a
trabalhar dia 1, mas sem contrato. Depois em setembro é que vou começar a trabalhar
com contrato. Agora vou trabalhar um mês sem contrato, sem seguro, sem nada.
Mas pronto. Foi assim que me fizeram a proposta e eu aceitei porque quis… Eles
não me fazem o contrato. Eu preciso do dinheiro, tenho de ir”. A ligação ao
mercado de trabalho é fundamental, mas este deve garantir emprego e
salários dignos. “Eu já estive numa situação em que estava a trabalhar
sem contrato. Já não recebia nada do centro de emprego, mas como tinha lá a
minha inscrição eu fui chamada. Tinham uma oferta de trabalho, com contrato,
mas eram 3 horas semanais. Não dava para nada. Eu recusei… E ela virou-se para
mim e disse: não sei porque fazem a inscrição?! Vocês não querem trabalhar.”
2 –Quais foram as politicas que o governo definiu durante a
pandemia
Conhecer as medidas aplicadas pelo
Governo, é em grande medida o que nos é transmitido pela comunicação social e
cada um valoriza o que mais diretamente o afeta no seu quotidiano: “ conheço o lay off” ou “a empresa onde trabalho está a aplicar o
layoff e a recorrer ao apoio do Estado”. De uma forma geral o conhecimento
diz respeito a regras de confinamento, regras de circulação entre concelhos;
lay off aplicado aos trabalhadores nas empresas que o fizeram; apoios pedidos
por empresas e outras mais ou menos genéricas. Importa ainda referir que existe
um apoio mais específico relativamente a medidas aplicadas a crianças e jovens
em idade escolar, por parte de pais com filhos nessa faixa etária ou ainda
medidas relativas a saúde para quem tem problemas mais específicos nessa área e
ainda algumas preocupações relativas a fornecimento de refeições nas entidades
que possuem essa valência e para pessoas em situação de carência alimentar.
De uma forma geral considera-se que
as medidas foram adequadas com ênfase na 2ª fase da pandemia, atendimento
atempado e apoio escolar, embora esta última tenha sido gradualmente resolvido
com o decorrer do tempo. No entanto registamos algumas lacunas apontadas não ao
apoio escolar a nível logístico, mas mais à dificuldade de acompanhamento dos
trabalhos e das aulas em algumas crianças e jovens. Muitos pais não se sentiam
preparados e tiveram dificuldade nesta área específica.
Numa apreciação de carácter mais
geral, considera-se o seguinte:
·
“ deviam ter sido mais rigorosos com algumas das
medidas” ou: “ ainda há quem pense que isto é uma guerra entre farmacêuticas e negue
tudo” ou ainda numa crítica velada ao comportamento cívico das “pessoas”,
porque: “se vê muitas gente sem máscaras,
muita confraternização e festas…”.
·
De uma
forma geral a visão global da gestão da pandemia tem uma avaliação positiva
tendo em conta a articulação entre órgãos de soberania: “ a Presidência da República e o Governo, estão de acordo em muitas
coisas e funcionaram bem na gestão da pandemia, ainda que com algumas falhas
…”.
·
As referências aos apoios ao tecido empresarial é
igualmente positiva: “ foi importante …
embora nem sempre tenho corrido bem, os apoios aos comércios e às empresas para
evitar as falências”.
No entanto as preocupações sobre o
futuro estão bem patentes: “ precaver a
pobreza que aí vem…” Reforço do apelo cívico às populações em geral: “ Em certas ocasiões o Governo deveria ter
atuado mais cedo nas restrições, particularmente na circulação entre concelhos…é
necessário mais comportamento cívico, mais consciência por parte das pessoas,
que também têm responsabilidades, não são só as autoridades…mais educação
cívica …”.
3-Soluções e recomendações de ação
·
·
Os
rendimentos são aliás uma enorme preocupação no sentido em que os salários e as políticas salariais
deveriam: “ ser mais equilibrados, não se justifica alguns salários tão altos
e a maioria a ganhar salário mínimo…”. Sendo a recuperação económica uma
questão fundamental para o relançamento do progresso social e de um maior
equilíbrio, as políticas devem promover “salários justos e adequados para quem
trabalha e para recebe apoios do Estado, como o RSI uma melhor adequação às realidades… não pode continuar a ser
uma miséria, que nem dá para sobreviver…”.
·
O aumento do salário mínimo e melhores prestações
do RSI combinadas com outras políticas de inclusão social são fundamentais, bem como o aumento das pensões de reforma mais baixas.
·
O Serviço
Nacional de Saúde foi (e é) considerado fundamental e central para a vida das
pessoas: “ …deveria ser reforçado e mais apoiado, mesmo a nível do fornecimento
de medicação aos mais vulneráveis, deveria inclusivamente ser abrangido por
serviços de medicina dentária e na
oftalmologia, o privado não é acessível aos mais pobres e quem não tem
seguros de saúde …”.
·
O Serviço
Nacional de Saúde deve ser gratuito e
universal de forma a todos terem acesso.
·
A questão
da habitação surge igualmente como fundamental pois constitui um dos maiores
problemas do país, que apesar de já ser um motivo de grande preocupação no
período pré-pandemia, é visto e percepcionado como um dos mais complexos e
difíceis de resolver perante o quadro em que nos encontramos: “… é
necessário mais apoios à habitação a “bazuca” financeira prometeu isso …
que muito desse dinheiro seria para aplicar no problema da habitação, quase
ninguém consegue fazer face a rendas tão caras e á especulação imobiliária…”. Além
da questão da habitação o apoio nas
despesas quotidianas com a água e a energia é central na vida das pessoas: “ … a água e a luz são muito caras para os
salários que ganhamos e pior para as pessoas mais pobres…”.
·
Registam-se
ainda apelos a uma “menor burocracia”
sentida particularmente por pessoas que tiveram de recorrer a alguns serviços
públicos: emprego, saúde, segurança social, lojas do cidadão e outros.
·
Apelos
mais gerais, como “mais solidariedade”;
“ adoção de modelos económicos
diferentes e mais solidários” e “ …desconfinar
a sociedade de uma forma cautelosa…”. São igualmente mensagens deixadas
pela delegação portuguesa.
·
A construção de mais fogos, de alojamento local e de
habitação social para os contribuintes sem capacidade para fazer face aos
preços praticados pelo mercado de arrendamento.
·
Maior acompanhamento dos proprietários que, usufruindo de
vários bens imóveis, não declaram as rendas obtidas através do aluguer dos
mesmos através da criação de uma lei que obrigue os
proprietários de imóveis a respeitar os tectos máximos estabelecidos na lei, ao
invés de nos limitarmos a programas facultativos.
·
Os tectos/valores máximos têm que ser afixados muito
abaixo daquilo que estão neste momento, como forma de
desencorajar os proprietários (mesmo os que não fazem contratos habitação e não
declaram as rendas) de praticar estes preços.
·
Necessidade de definir e atribuir um subsidio à
habitação, acrescido ao salário auferido pelos cidadãos, que lhes permita fazer face aos custos com o
arrendamento, ainda que, mediante a apresentação do recibo mensal de arrendamento.
*********
Delegação Portuguesa 2021
[1] Os CLCs são grupos de
trabalho compostos por pessoas que vivem ou já vieram em situação de pobreza e
exclusão social e são dinamizados pelos núcleos distritais da EAPN. Existem 19
CLCs (um por cada distrito do Continente, num total de 18, e um na Região
Autónoma da Madeira).
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