“Onde está a malta que queria ser astronauta?” e tantas outras questões à volta da Educação e da Interculturalidade
Foi de
verdade uma tertúlia. Pessoas em círculo à volta de um tema: Educação e
Interculturalidade. Palavra puxa palavra, ideia motiva ideias e aconteceu que
ficaram no ar questões pertinentes para algo maior. Soube a pouco; apetecia aprofundamento
dos temas abordados em tom tertuliano, como se prometia. Quem, por exemplo, não
conhecesse a Escola da Ponte ficaria com vontade indómita de conhecer. Entrar
escola adentro, espreitar os cantos, demorar-se por lá, conhecer efetivamente.
Mas todos ali sabíamos desse projeto educativo tão especial, fundado em 1976,
por José Pacheco. Mas uma coisa é saber, assim, pela rama; outra coisa, distinta,
é ouvir falar quem sabe, quem lá trabalha e acompanha o projeto escolar, por
dentro, neste percurso de quatro décadas a ensinar de forma diferente, a criar
um novo paradigma de ensino, tantas vezes posto em causa e outras tantas
admirado, estudado, apontado como exemplo superior. O modelo de ensino a que a
alguns provoca medo, inseguranças e desconfianças; a outros dá vontade de cantar,
com musiquinha antiga a adaptar palavras: é uma escola muito engraçada não
tinha aulas não tinha nada [do vigente paradigma do ensino em Portugal]. Mas é
assim mesmo, da natureza humana, diferentes sensibilidades para a mesma
questão.
Ana Moreira
e Eugénia Tavares falaram com conhecimento dessa causa que abraçam de alma e
coração, a Escola da Ponte; das oportunidades educativas de excelência que
proporciona; do papel ativo dos alunos na vida da escola e nas diferentes
matérias que escolhem estudar; da responsabilização de toda a equipa; da
peculiar gestão escolar; da iniciação; da consolidação e do aprofundamento,
fases distintas a estruturarem o projeto; dos 74 dispositivos pedagógicos; dos
alunos a escolherem o professor-tutor. E, atenção, estamos a falar de uma
escola pública. E como é que uma escola destas promove as questões da
diversidade? “Porque parte de um referencial básico: os direitos humanos. E
porque trata a individualidade de cada um com primazia. Não há, não pode haver
uma tábua rasa para todos”, explicou Ana Moreira, acrescentando que, apesar da
Escola da Ponte, ser um caso de estudo, pioneiro, tem observado por aí “muito
boas práticas, exemplos de trabalho muito interessantes”. A mudança está em
curso, mas é lentíssima. Não é fácil uma mudança inteira e de uma só vez, muito
menos, no sistema educativo de um país. E a conversa prosseguiu sempre num tom
informal - “como as cerejas” – e Francisco Machado, professor na ISMAI, foi
introduzindo ideias muito sérias, algumas em tom jocoso: “Onde está a malta que
queria ser astronauta?” Os alunos de agora querem todos ter uma profissão “real”
que permita não andar a contar os euros. Falou-se da colisão do sonho com a realidade.
E falou-se da cultura da participação, da imperativa necessidade de participar
e, novamente de outra colisão, a da participação com o poder, com as relações
de poder. “A boa educação dá trabalho”, sublinhou Francisco Machado que falou de
algumas boas práticas americanas e acrescentou que nos falta uma escola mais
sistémica. Falta coesão e identidade. Falta participação. Novamente. “Mas quem quer
participar, quando em causa está o seu poder, as diversas relações de poder
estabelecidas, geralmente numa hierarquia vertical?”, interrogou Cláudia Albergaria,
socióloga da EAPN Portugal. E a conversa, prosseguiu aqui e ali, com a constatação
de boas práticas dispersas, exemplos solitários e, ainda, sem força
congregadora.
Ouviu-se que as universidades ainda não desenvolvem os seus
alunos na esfera pessoal e social, que falta também dar esse passo; que o
melhor mecanismo de inclusão é uma boa conversa com o aluno; que o professor
deve assumir que também aprende com os alunos; que a educação especial deve arrogar
um lugar indiscutível nas escolas; que a inclusão e a cidadania não se ensinam,
praticam-se todos os dias. Em reciprocidade. “O ensino ainda não é nada
inclusivo; gostam de dizer que sim, mas não é”, diz Francisco Machado.
E para que
ao olharmos à nossa volta não desanimemos, Ana Moreira aconselhou a trocar a angústia
pela determinação e contou a lenda do beija flor: empenhado em ajudar a apagar
o fogo da floresta, com pequenas gotículas de água que carregava no seu bico, voava
de um lado para o outro, incansável. E interrogado por outros, sobre o que
andava a fazer; sobre a validade da sua minúscula ação, respondeu que estava a
fazer a sua parte…
A
organização foi da Associação Plano i no âmbito da Semana da Interculturalidade,
promovida pela EAPN Portugal.
MV
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