Relatório Social Nacional
Portugal 2015
Reação da EAPN Portugal
O
presente documento tem como objetivo apresentar a reação da EAPN Portugal ao recente
Relatório Social Nacional (RSN) apresentado pelo Governo Português à Comissão
Europeia. Os relatórios sociais nacionais são documentos que integram o
processo do Semestre Europeu, embora não sejam obrigatórios. O objetivo destes
documentos é apresentar o ponto da situação e a avaliação da implementação das
reformas políticas nos domínios da proteção social, pensões, saúde e cuidados
de longa duração. Pretende-se também que estes documentos tenham uma ligação
com o Plano Nacional de Reformas (PNR) que é apresentado à Comissão Europeia no
mesmo período[1].
Em
termos gerais o relatório apresenta uma análise muito sumária da situação
social de Portugal. No entanto, 2015 é assumido como um ano intermédio, no qual
apenas é solicitado aos países que apresentem relatórios “light” a serem
submetidos com o PNR. Neste sentido, não é de estranhar que o relatório peque
pela ausência de um conjunto de indicadores que apresentariam uma imagem mais
real sobre a situação da pobreza e da exclusão social no país, e nos argumentos
a alguma da informação que é apresentada, nomeadamente, nas medidas que são
elencadas.
A
evolução recente da situação económica e social Portuguesa:
A
este nível é importante salientar que a evolução positiva que se prevê para a
atividade económica nacional contrasta com o aumento do risco de pobreza que,
em 2013, atingiu todos os grupos populacionais, com especial destaque para o
grupo das crianças. O desemprego surge como um dos grandes fatores
impulsionadores desta situação, mas embora seja demonstrado que o desemprego
tem vindo a diminuir, não se percebe se essa diminuição é fruto de uma
integração efetiva destas pessoas no mercado de trabalho.
É
salientado o impacto que as transferências sociais tiveram na redução da
pobreza, o que contrasta com as medidas assumidas no período de crise que
visaram o contrário, ou seja, a redução dos montantes atribuídos em algumas
prestações e a maior restrição das regras de acesso às mesmas, que acabaram por
se traduzir numa redução do número de beneficiários. Esta apreciação positiva
contrasta também com a análise feita pela Comissão Europeia que aponta a
diminuição do impacto das transferências sociais (excluindo as pensões) em 2.5
pp em 2013 “(26.7% em 2013, em comparação com 29.2% em 2012), o que indica que
o sistema de proteção social insuficiente não pôde fazer face ao aumento
repentino do desemprego e ao consequente agravamento da pobreza”[2].
Em
termos de medidas é dado destaque ao Programa de Emergência Social
(implementado desde 2011) como uma das principais respostas a “um cenário de
dificuldades antecipado”, mas este Programa situa-se ao nível da reparação e
não da prevenção. Além disso, e desde 2011, não se procedeu a nenhuma
avaliação, não sendo por isso possível avaliar a eficácia dos montantes
investidos em medidas do PES[3]
tendo em conta o propósito para o qual foi criado. De referir ainda que pelos
últimos dados disponíveis do INE relativos à Taxa de pobreza poderemos aferir
que o PES tem sido ineficaz na redução da taxa de pobreza.
Avaliação
da Meta Europa 2020: Reduzir a Pobreza e a Exclusão Social
É
importante referir, por um lado, o esforço feito pela apresentação de dados
mais recentes sobre a situação de pobreza e exclusão social ao nível nacional,
mesmo que provisórios. Na verdade, a necessidade de se eliminar
o desfasamento existente nos indicadores de pobreza, melhorando paulatinamente
as recolhas de dados (mais atempadas) e os critérios utilizados sempre
foi uma das recomendações da EAPN Portugal.
Embora
seja salientado a existência de uma ligeira melhoria no número de pessoas em
situação de pobreza e de exclusão social (menos 16 mil pessoas que ano
anterior) a verdade é que o cumprimento da meta estabelecida para Portugal está
longe de ser concretizada. Para essa leitura contribuem outros indicadores que
apresentam um retrato mais real sobre a situação da pobreza no país, como o
indicador da Pobreza Ancorada no Tempo através do qual a taxa de risco de
pobreza em Portugal, em 2013, seria de
25.9%, mais 6.4 pp do que a taxa de pobreza verificada através do cálculo
normal. Pelo quadro apresentado na página 4 do Relatório Social Nacional
conseguimos perceber que de 2008 para 2014 (PO) o número de pessoas em risco de
pobreza monetária tem aumentado.
Não poderemos deixar de salientar a situação dos
agregados familiares com baixa intensidade de trabalho que constitui um dos
indicadores de privação material e que tem vindo a aumentar nos últimos anos.
Principais
reformas no período 2014-2015
No
que diz respeito à promoção da Inclusão Social é destacado uma vez mais o
Programa de Emergência Social, mas também os novos Programas Operacionais,
nomeadamente, o da Inclusão Social e Emprego. É importante referir que foram
alocados cerca de 20% dos Fundos Estruturais (FSE) ao combate à pobreza e
exclusão social, mas é fundamental existir uma monitorização e avaliação
cuidada relativamente à aplicação destes fundos, especialmente, a sua efetiva
aplicação no combate à pobreza, envolvendo a participação de diferentes stakeholders (Organizações não
governamentais; pessoas em situação de desfavorecimento social; entre outros).
Esta preocupação não é salientada neste capítulo das reformas, além de que
importa clarificar aquilo que se entende como combate à pobreza e exclusão
social – não podendo, em nosso entender, resumir-se a medidas de redução do
desemprego. Isto porque, em Portugal o número de trabalhadores pobres é muito
elevado (10.7% - dados provisórios de 2013). Além de que as medidas de apoio ao
desemprego são muitas delas geradoras de exclusão social e pobreza, como é o
caso dos contratos emprego inserção que coloca no mercado de trabalho,
sobretudo na administração central e local milhares de desempregados a custo
zero (apenas com a atribuição de uma bolsa) para as entidades empregadoras por
um período de 12 meses. Esta situação é duplamente perniciosa, pois os serviços
da administração central e local veem os postos de trabalho preenchidos de
forma ilegal (como referiu o Provedor de Justiça[4]),
e por outro não permite a contratação de novos trabalhadores de forma
permanente, nem mesmo a integração daqueles trabalhadores que estiveram a
exercer funções ao abrigo do Programa Emprego Inserção, fomentando assim a
precariedade laboral.
No
eixo da inclusão social, são ainda salientadas algumas medidas dirigidas a
diferentes problemáticas e grupos vulneráveis, mas sobre as quais existem
indicadores que transmitem uma leitura menos positiva da que é apresentada.
Uma
primeira observação deve ser feita aos Protocolos de Cooperação estabelecidos
entre o Estado e as organizações do sector social e que, no nosso entender, devem
ser avaliados de modo a evitar que progressivamente seja realizada uma
privatização dos serviços de proteção social, o que teria um impacto negativo
significativo nas pessoas que vivem em situação de pobreza e exclusão social.
Uma
segunda observação é dirigida à criação da Rede Local de Intervenção Social
(RLIS), sobre a qual existe, não só, um desconhecimento sobre as experiências
piloto que estão a ser implementadas a nível nacional, mas também, uma
sobreposição de um modelo de intervenção sobre outro já implementado nos pais, o
Programa da Rede Social. Entendemos que esta “reforma” poderá estar a ser feita
sobre boas experiências já existentes ao nível local, como as “redes sociais” e
que se baseiam também numa intervenção “articulada, integrada e de
proximidade”.
No
que se refere às medidas que promovem a redução
da pobreza monetária e de privação, é de salientar que uma vez mais não é
assumida a necessidade de se definir uma Estratégia Nacional de Combate à
Pobreza e à Exclusão Social, com atenção particular a públicos vulneráveis,
como as crianças e as pessoas idosas.
Como
forma de atender à pobreza extrema e à
exclusão foi dada prioridade à criação de uma Rede Solidária de Cantinas Sociais que estudos[5]
realizados já vieram demonstrar que é uma medida que implica uma maior despesa
para o Estado do que certas prestações sociais, como o RSI.
No
caso da pobreza das crianças é de realçar o seu agravamento nestes últimos anos
(a taxa de pobreza e de exclusão social das crianças em Portugal foi em 2013 de
31.7%, mais 3.9 pontos percentuais face a 2012). Esta situação coloca em causa
o impacto das medidas que são elencadas, mas suscita, sobretudo, uma
preocupação relativamente a algumas das medidas que foram implementadas nos
últimos anos, e sobre as quais nada se diz, como por exemplo, a redução dos
abonos de família e do valor da prestação do RSI junto das famílias com
crianças, através da diminuição do peso de cada criança no cálculo desta
prestação. O Relatório Relativo a
Portugal 2015 já referia que “entre outubro de 2010 e agosto de 2014, 591
971 beneficiários perderam o acesso a abono de família, ou seja, um em cada
três beneficiários. No total, o Estado reduziu em 30% as suas despesas para
apoio às famílias com filhos entre 2010 e 2011” [6].
Ainda
no âmbito das prestações sociais é de salientar também os cortes efetuados no
Complemento Solidário para Idosos e no Rendimento Social de Inserção, assim
como no estabelecimento de regras mais restritas, e que se traduziram numa
diminuição significativa no número de beneficiários destas prestações. No caso
específico do Rendimento Social de Inserção é de questionar que impactos
efetivos tiveram as medidas que visam “o favorecimento ao reingresso ao mercado
de trabalho e a criação de hábitos que o potenciem”. A obrigatoriedade de
inscrição no IEFP pode ser positiva, mas, se por um lado, tem subjacente o
preconceito de que estes beneficiários “não querem trabalhar”, por outro lado,
nada nos diz sobre a efetiva integração das pessoas em emprego de qualidade.
Aliás,
suscita algum receio de que as medidas implementadas estejam a favorecer e
encobrir situações de precaridade que contribuem para uma maior exclusão destas
pessoas.
No
que diz respeito às medidas que visam a promoção ativa do emprego e as medidas
de apoio aos desempregados, é de salientar que nada é dito sobre a necessidade de
avaliar as novas medidas que entretanto foram criadas e desconhece-se que
impacto é que podem ter na redução da pobreza. A taxa de desemprego tem vindo a
descer consideravelmente nestes últimos anos, depois de ter atingido em 2013,
16.2%. O mesmo se tem verificado com a taxa de desemprego jovem (atingiu 38.1%
em 2013 e desceu para 34.8% em 2014) e com o desemprego de longa duração (era
10.0% em 2013 e desceu para 9.1% em 2014). No entanto, permanece a dúvida se o
emprego criado tem permitido a efetiva integração das pessoas em trabalho efetivo
e não precário. Um recente relatório da OCDE refere que Portugal foi um dos
países onde o emprego temporário mais cresceu durante o período da pré-crise e constitui a maior parte do crescimento do
emprego atípico[7].
De referir também que a taxa de cobertura dos subsídios de desemprego para o
DLD diminui de forma significativa entre 2010 e 2012 (de 39% para 26%), embora
tenha voltado a aumentar ligeiramente para 29% em 2013.
Relativamente
aos públicos mais desfavorecidos, é interessante ser destacado o apoio dado aos
sem-abrigo no âmbito da Estratégia Nacional para a Integração das pessoas
sem-abrigo, uma vez que a Estratégia finaliza em 2015 (segundo o programa
inicialmente estabelecido), mas está inativa, sem qualquer perspetiva de
continuidade.
No
eixo das medidas dirigidas às pensões é importante salientar que permanece a
ideia errónea de que a saída das pessoas mais velhas do mercado de trabalho
(mensagem que está subjacente à medida que visa que durante o ano de 2015, os beneficiários com idade igual ou superior a
60 anos de idade e, pelo menos, 40 anos de carreira contributiva, poderão
aceder antecipadamente à pensão de velhice no âmbito do regime de
flexibilização) contribui para melhorar
as possibilidades de entrada dos mais jovens no mercado de trabalho. Tendo
em conta que neste momento Portugal é um dos países mais envelhecidos da
Europa, uma medida deste tipo é estranha. Por outro lado, estudos já revelaram
que um jovem não substitui uma pessoa idosa num local de trabalho, tendo em
conta a experiência que este detém e que precisa de ser adquirida pela pessoa
mais jovem. A opção por medidas que visem a entrada “faseada” na reforma,
incentivando a intergeracionalidade no mercado de trabalho, poderá ser uma
melhor estratégia a ser trabalhada. É ainda de salientar que nada é dito sobre o
aumento da população desempregada que se verificou de modo mais acentuado nas
pessoas com 45 e mais anos (4º trimestre de 2014), o que nos permite interrogar
sobre as dificuldades que as pessoas com idades maiores ainda têm no acesso ao
emprego.
Nas
medidas elencadas verifica-se uma ausência da importância de um programa de
incentivo à natalidade e de apoio à família, assim como um programa que tenha
em conta os desafios do envelhecimento demográfico.
Para
concluir, consideramos que a leitura que é feita da situação social do país é
demasiado simplista e baseada em alguns números que revelam apenas uma parte da
realidade. O pretexto da crise económica e dos esforços de consolidação
orçamental perpassa todo o documento e surge como argumento para os números da
pobreza e do desemprego. Os esforços em matéria de proteção social têm sido
fracos e assistimos à degradação da situação social de um maior número de
portugueses e não existe uma orientação clara para a resolução dos números da
pobreza em Portugal, pois não se vislumbra a existência de uma Estratégia
Nacional de Erradicação da Pobreza.
[1] Para mais
informações sobre o funcionamento do Semestre Europeu, consultar: http://www.eapn.eu/images/stories/docs/EAPN-position-papers-and-reports/2015-eapn-toolkit-stakeholder-involvement.pdf
Para conhecer
os documentos que foram apresentados pelo Governo português à Comissão Europeia
no âmbito do Semestre Europeu, consultar: http://ec.europa.eu/social/main.jsp?catId=758&langId=en
[2] Comissão
Europeia, Relatório relativo a Portugal
2015 que inclui uma apreciação aprofundada sobre a prevenção e correção dos
desequilíbrios macroeconómicos, COM(2015) 85 final, Bruxelas, 26.2.2015.
Disponível em: http://ec.europa.eu/europe2020/pdf/csr2015/cr2015_portugal_pt.pdf
[3] “É um Programa
assente na promoção e protecção de direitos de muitos que são os mais excluídos
e de muitos que estão numa situação de tal desigualdade, que necessitam de
medidas que possam minorar o impacto social da crise constituindo uma
"almofada social" que amorteça as dificuldades que agora atravessam.” http://www.portugal.gov.pt/media/747090/programa%20emergencia%20social.pdf
[4] Conforme
noticia publicada no Dn de 28 de novembro de 2014.
[5] Claudia
Joaquim, Proteção social, terceiro setor
e equipamentos sociais: Que modelo para Portugal?, Cadernos do Observatório
nº 3, Coimbra, CES, fevereiro de 2015.
[6] Comissão
Europeia, Relatório relativo a Portugal
2015 que inclui uma apreciação aprofundada sobre a prevenção e correção dos
desequilíbrios macroeconómicos, COM(2015) 85 final, Bruxelas, 26.2.2015,
p.45.
[7] OECD, In it Together: why less
inequality benefits all, 2015, p.145