V Fórum Nacional | 14 e
15 de outubro de 2013
| Costa da Caparica
« Nos dias 14 e 15 de Outubro estiveram reunidos na Costa da
Caparica cerca de 80 cidadãos que vivenciam ou já vivenciaram situações de
pobreza e exclusão social, no V Fórum Nacional promovido pela EAPN Portugal, no
âmbito das Comemorações do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza que
se assinala a 17 de Outubro.
A metodologia do encontro incidiu na realização de quatro
grupos de trabalho temáticos, no sentido de promover uma reflexão e um debate
alargado sobre as seguintes questões:
1º Qual o impacto
social da crise no quotidiano dos cidadãos?
2ª Qual o orçamento de
referência para uma vida digna?
3ª Que recursos
(materiais e imateriais) mobilizar para garantir o bem-estar comum?
4ª Que estratégias
implementar para mobilizar os cidadãos para o combate à pobreza?
Deste momento de trabalho resultaram as seguintes conclusões:
Impacto Social da Crise
Os cidadãos presentes ressaltaram que uma das principais
consequências negativas da crise atual é o agravamento do acesso ao mercado de
trabalho, nomeadamente pela ausência de oportunidades mas também por outras
condicionantes como a idade, as baixas qualificações e também a falta de
reconhecimento de competências.
A saúde foi também uma área mencionada, nomeadamente pela
falta de recursos económicos para ter acesso aos principais serviços de saúde,
muitos dos participantes referiram ter grandes dificuldades ao nível do
pagamento das taxas moderadoras e na compra de medicamentos. Foi também
igualmente referida a ausência de oferta de serviços de saúde em algumas
regiões do país, nomeadamente do interior.
A crise tem também contribuído para o aumento das doenças do
foro psicológico, aumento do consumo de antidepressivos e dos suicídios.
Outro problema identificado pelos participantes foi a
diminuição da qualidade da alimentação, a opção hoje passa pela compra de
produtos mais baratos, sem ter em consideração uma alimentação mais equilibrada
e diversificada, como por exemplo consumo de carne (fundamentalmente frango e
porco) em detrimento do consumo de peixe. Para além deste facto muitos
referiram que muitas famílias só conseguem fazer uma refeição quente por dia,
sendo esta situação colmatada pelas refeições escolares que são proporcionadas
às crianças e jovens em idade escolar.
A habitação foi uma das dimensões abordadas, nomeadamente a
dificuldade em assegurar o cumprimento das rendas ou empréstimos bancários,
levando à entrega das casas aos bancos e aumento dos despejos. Esta situação está
na origem do regresso de muitos à casa dos pais, verificando-se uma
sobrelotação dos alojamentos.
O enfraquecimento das relações sociais e a quebra das
relações de proximidade têm provocado o isolamento e o afastamento das pessoas
das suas relações de convivialidade. Por outro lado, assiste-se a um aumento
das representações sociais negativas relativamente a determinados grupos da
população que já se encontram numa situação de grande vulnerabilidade social como
por exemplo imigrantes, comunidades ciganas, beneficiários do rendimento social
de inserção, entre outros.
Entre os grupos de população mais afetados pela crise
contam-se as crianças, os jovens, os idosos, os beneficiários do RSI e toda a
classe média.
Em relação aos apoios sociais que tem sido alvo de revisões e
de grandes cortes foram especialmente referidos os cortes no RSI, considerada
uma prestação mínima de cidadania, os cortes no abono de família e as
alterações na atribuição do subsídio de desemprego. Acentuando-se uma situação
de perda de direitos, agravamento das condições de vida e do exercício da
própria cidadania.
Orçamento de referência
A questão em debate passou por definir o conceito de uma vida
digna. Para os participantes viver com dignidade implica ter estabilidade em
várias dimensões nomeadamente emocional, espiritual e financeira. Ter dignidade
implica ter liberdade, dar uma vida digna aos filhos, ter acesso a uma casa e
alimentação condigna. Foi igualmente referida, a importância de cada cidadão se
sentir útil e valorizado socialmente. Para determinar o valor do rendimento
mínimo adequado os participantes definiram um conjunto de bens e serviços
considerados fundamentais para uma vida digna e não apenas para subsistência.
Relativamente ao valor do salário mínimo, foi consensual que
o valor em questão: 485€, é
manifestamente insuficiente!
Recursos (materiais e
imateriais) para garantir o bem-estar comum
A abordagem dos recursos iniciou-se com a discussão em torno
do conceito de bem-estar comum. Para os participantes este conceito está
relacionado com o ter saúde, ter trabalho e ter uma estabilidade económica e
financeira, assim como uma habitação condigna, alimentação e educação. Por outro lado, foram
identificados também elementos imateriais que estão relacionados com a
afetividade familiar, com a amizade, as relações sociais e o respeito pelos
direitos humanos e sociais. Trata-se essencialmente das pessoas se sentirem
respeitadas e fazer parte da comunidade onde estão inseridas.
Recursos materiais e imateriais identificados:
- Tempo – alguns participantes manifestaram disponibilidade
para exercerem atividades de voluntariado social com jovens, idosos e crianças,
em instituições da sua comunidade, salientando no entanto que esta deve ser uma
opção individual de cada um e que deve ser devidamente enquadrado no trabalho
das instituições sendo estas responsáveis pela formação e pelo acompanhamento
dos voluntários.
- Troca de conhecimentos e saberes, como por exemplo Bancos
de Troca de Serviços.
Ao nível da comunidade foram também referidos alguns recursos
que podem contribuir para o estar comum, em particular foi evidenciado o papel
das escolas e das universidades seniores como espaço de aprendizagem e de participação
social.
Foi também destacado o papel das associações que atuam em
diferentes áreas e com diferentes grupos, permitindo ativar a participação e a
cidadania, contribuindo para o bem-estar individual e coletivo.
Foi reforçada a ideia de haver um maior investimento na criação
de empregos em áreas relacionadas com as relações de proximidade e economia
social.
Outro recurso identificado prende-se com o aproveitamento dos
solos para a agricultura nomeadamente para autoconsumo (ex. hortas
comunitárias).
A reabilitação de casas devolutas, antigas escolas ou
fábricas foi referida como um recurso importante que poderá ser acionado para
garantir uma habitação para todos a preços acessíveis.
Foi igualmente focado o papel das empresas e a importância do
desenvolvimento de uma política de responsabilidade social e de cidadania
empresarial, aqui especialmente salientada a pertinência de desenvolver
projetos de combate ao desperdício, nomeadamente alimentar.
Por ultimo, foi destacada a importância dos sistemas de
proteção social serem reforçados em contexto de crise económica e social como
condição essencial para o exercício da cidadania, fator fundamental para a
coesão social e para a democracia.
Estratégias para
mobilizar os cidadãos para o combate à pobreza
Os participantes concluíram pela importância de desenvolver
uma campanha de sensibilização e informação e de combate aos estereótipos sobre
determinados grupos e problemáticas sociais. Ex. Os pobres não são pobres por
serem preguiçosos e não querem trabalhar.
Outra ação identificada passa pelo aproveitamento dos
recursos e a sua partilha pela comunidade. Esta ideia está associada ao reforço
do trabalho em rede e de parceria e a uma gestão mais eficiente dos recursos
existentes. Em complementaridade foi destacada a importância da qualificação
dos serviços, apostando na formação contínua dos diversos profissionais, para
que possam dar respostas mais adequadas às necessidades dos cidadãos.
Por fim, reiterou-se a importância do desenvolvimento de uma
cultura de participação e de cidadania ativa, que contrarie a anomia, a
indiferença, o individualismo face às questões da pobreza e da exclusão social.
Reforçou-se igualmente a ideia de criar estruturas/mecanismos favoráveis à
participação dos cidadãos. Para isso é necessário o comprometimento por parte
de vários atores: os meios de comunicação social, as instituições sociais, o poder
local e central, as empresas e associações e o cidadão comum. »
+ INFO:
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