Eleições autárquicas 2021: uma oportunidade única para
apostar na luta contra a pobreza
A
EAPN Portugal foi constituída em 1991 com a premissa de lutar contra a pobreza
e exclusão social. Acompanhamos ao longo destes quase 30 anos de existência
diferentes ciclos políticos, diferentes orientações ideológicas, mas sempre
conscientes de que aquilo que nos move é o trabalho em rede, a conjugação de
esforços para atingir o bem comum de todos/as os/as cidadãos/ãs nomeadamente
os/as mais vulneráveis, procurando honrar o nosso compromisso com a defesa de
uma sociedade mais justa e igualitária.
Atualmente
enfrentamos globalmente desafios nunca antes pensados: a pandemia veio aflorar
velhos problemas: o envelhecimento da população portuguesa, o isolamento de
alguns territórios, as dificuldades de acesso à saúde, a fragilidade da
população mais desfavorecida como as minorias étnicas, as pessoas em situação
de sem-abrigo e os imigrantes, os constrangimentos da digitalização, entre
outros. Estes desafios globais têm um rosto local e sabemos que cada município
teve necessidade de se reinventar para fazer face a estes novos problemas que
somam aos já existentes. Encontramo-nos num momento de encruzilhada, de mudança
necessária e importa definir novas prioridades, novas metas. As eleições
autárquicas que se avizinham são, assim, muito importantes neste processo
democrático que vivemos desde o 25 de abril de 1974.
Relativamente
aos financiamentos europeus que se avizinham sabemos que nunca antes foram em tão
larga escala e por isso temos aqui uma oportunidade. No entanto, saberemos nós
usar esses fundos da melhor maneira? Onde queremos estar em 2030? Não queremos
com certeza passar por um novo período de programação e continuar a receber
fundos da coesão. O Fundo de
Coesão destina-se aos Estados-Membros cujo Rendimento Nacional Bruto (RNB) por
habitante seja inferior a 90 % da média da UE. Visa reduzir as disparidades
económicas e sociais e promover o desenvolvimento sustentável. Para o período 2014-2020, o Fundo de Coesão abrange os seguintes países:
Bulgária, Chipre, Croácia, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Grécia, Hungria,
Letónia, Lituânia, Malta, Polónia, Portugal, República Checa e Roménia.
É
sinal de que até ao momento e depois de sucessivos quadros comunitários não
conseguimos resolver os deficits que Portugal arrasta há décadas. Seremos agora
capazes de o fazer?
Os
municípios irão receber uma parte significativa destes fundos, pela via do Decreto-Lei
n.º 55/2020 de 12 de agosto que concretiza a transferência de competências para
os órgãos municipais e para as entidades intermunicipais no domínio da ação
social. E noutros domínios também irão receber, mas importa que os municípios
tenham um diagnóstico atualizado dos problemas do concelho e apliquem os fundos
nas áreas problemáticas.
O
território nacional é muito diferente e as problemáticas que os diferentes
concelhos enfrentam também o são, mas há denominadores comuns que em nosso
entender é preciso garantir ao nível local:
·
A aposta no trabalho em rede, envolvendo os
diferentes atores locais, sejam públicos ou privados e capitalizando as
sinergias existentes no âmbito do Programa da Rede Social, das Plataformas
Supraconcelhias, das Comunidades Intermunicipais, das Comissões de Coordenação,
das Áreas Metropolitanas, entre outras estruturas descentralizadas.
·
Transparência, eficiência e eficácia na gestão
dos fundos comunitários e fundos públicos, minimizando as desigualdades
territoriais;
·
Promoção da inclusão social, estimulando a
igualdade de oportunidades e o reforço das redes de apoio de proximidade;
·
Investir no apoio aos serviços essenciais,
nomeadamente água e eletricidade a preços acessíveis;
·
Incentivos fiscais para a fixação de empresas
e incentivos fiscais também para a população (nomeadamente a redução do IMI e
das taxas municipais);
·
A preocupação com os idosos, com as crianças,
com as pessoas com deficiência, tornando as cidades acessíveis;
·
Uma política de habitação que defenda os
interesses da população mais vulnerável, dos jovens e dos idosos;
·
Uma política de transportes acessível;
·
Uma política de cultura, desporto e lazer que
respeite as tradições locais e vá ao encontro de todas as idades;
·
Uma política ambiental que vá ao encontro das metas
europeias no que respeita ao Acordo Verde Europeu;
·
Uma política de saúde que permita reduzir as
desigualdades no acesso à saúde;
·
Trabalhar junto das comunidades locais a
adoção de hábitos mais saudáveis ao nível da alimentação, da automedicação, da
vacinação e da vigilância médica. Investir numa educação para a saúde e
garantir que os territórios contribuam para essa educação.
·
Promover Estratégias
concelhias de combate à pobreza, que envolvam empregadores, cidadãos,
estruturas públicas e o setor da saúde. Estas estratégias poderiam ser criadas
a partir dos CLAS e envolvendo parceiros chave em cada município e os/as
cidadãos/ãs.
·
A digitalização e os
desafios da mesma para as pessoas mais vulneráveis é um denominador central em
todo o território. Há que garantir uma melhor cobertura de rede nos territórios
e garantir acesso aos serviços digitais aos cidadãos, nomeadamente, os mais
vulneráveis.
Os
programas eleitorais dos diferentes partidos nos diferentes concelhos devem
refletir os problemas das populações, nas diferentes áreas: habitação, ação
social, ambiente, saúde, emprego e formação, educação. São muitas as
dificuldades que os portugueses enfrentam neste momento com o impacto da
pandemia a nível sanitário, mas também a nível económico e social.
O desemprego jovem, o absentismo e insucesso escolar, a inflação no custo
das habitações, a falta de acessibilidade aos serviços de saúde, o insuficiente
acesso a atividades de lazer e de cultura, o elevado custo da energia e da água
e saneamento, uma fraca rede de transportes públicos, entre outros, são
problemas que afetam transversalmente os municípios. Depois, em determinados
territórios, a questão da desertificação faz-se sentir em larga escala e
importa atrair novos residentes, quer seja pela via da imigração, quer pela
atração de tecido empresarial que consequentemente conduz ao aumento do emprego
e fixação de população, quer pela atração da população jovem via ensino
médio/superior.
A questão dos territórios de baixa densidade exige uma preocupação
acrescida por parte dos autarcas destes municípios no sentido de criar
condições de atratividade que não sejam apenas sustentadas pelo turismo.
Apostar nos setores primário e secundário para atrair novos residentes e para
garantir a sustentabilidade do território.
A questão da regionalização e dos mecanismos que ao longo dos anos foram
sendo usados para garantir a descentralização devem estar nas prioridades das
autarquias. Garantir um processo de descentralização com recursos suficientes que
permitam fazer face aos desafios e necessidades das populações é o maior
desafio.
Importa que a intervenção das autarquias no território não seja pautada
por intervenções relacionadas com os ciclos políticos de 4 anos, mas que haja
um trabalho sério de diagnóstico dos problemas e um planeamento estratégico a
mais longo prazo. A relação de cada município com as Comunidades
Intermunicipais ou Áreas Metropolitanas e com as respetivas Comissões de
Coordenação deve ser uma prioridade em cada território. Trabalhar em rede com
estes atores e com todos os atores locais é fundamental para garantir que o
município está a cumprir com o seu papel de motor do desenvolvimento local.
O desenvolvimento local é feito por todas as forças vivas do território e
todos devem ser ouvidos, sob pena de caminharmos para uma sociedade descrente
dos atores políticos e incapaz de ter confiança nos seus autarcas e nas
decisões por eles tomadas. Assim, os autarcas têm um papel fundamental na
mobilização das populações para o voto, quebrando o ciclo de elevados níveis de
abstenção da população portuguesa.
Da parte da EAPN estamos disponíveis para colaborar com todas as forças
políticas, na defesa de uma sociedade mais justa, na defesa das necessidades
dos mais desfavorecidos. Estamos disponíveis para contribuir com o nosso know-how, quer ao nível do diagnóstico
dos problemas, quer ao nível da implementação de projetos inovadores que
promovam o empowerment das populações
e que permitam intervenções consistentes no tempo, com recursos adequados e com
o envolvimento dos próprios.
A nossa ambição é que a sociedade como um todo se mobilize em torno de
uma causa essencial: justiça social e dignidade humana. Uma sociedade que não
tolere as desigualdades gritantes no seu seio, não aceite a pobreza e a
exclusão social, que ofendem uma sociedade dita democrática.
Estamos num momento em que não podemos desperdiçar recursos nem tempo;
temos que aproveitar os recursos da União Europeia e utilizá-los da forma mais
eficiente possível. É este o compromisso que as autarquias devem ter com os
seus munícipes.
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EAPN Portugal
Porto, setembro 2021
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