Conclusões do 3º Fórum Nacional de Pessoas em Situação de Pobreza





No cumprimento da sua missão de defender os direitos humanos fundamentais dos cidadãos e garantir que todos tenham as condições necessárias para o exercício de uma cidadania ativa e a uma vida digna, este ano, para além das atividades que vão realizar-se nos vários distritos do país, a EAPN Portugal organiza no Porto, o III Fórum Nacional de Pessoas em Situação de Pobreza e/ou Exclusão Social. No contexto atual da crise económica, o tema do Fórum de 2011 é “Uma outra resposta à crise é possível e urgente”. Todos os atores deste Fórum participaram em várias reuniões de trabalho ao nível local e debateram os principais desafios colocados pela crise e as medidas que poderiam ser adoptadas para acautelar a situação daqueles que se encontram numa situação de desfavorecimento social.
O debate foi organizado em torno de quatro sub temas principais:
o emprego/desemprego;
as prestações sociais;
a habitação e
o papel do voluntariado na luta contra a pobreza.


As propostas da reflexão foram produzidas com o contributo de cerca de uma centena de pessoas em situação de pobreza e exclusão social, em colaboração com os técnicos da EAPN Portugal e centraram-se em torno das quatro temáticas e de duas questões principais:
  1. quais os principais desafios da crise atual?
  2. que medidas práticas poderiam ser adotadas?

  • Emprego
- Criação de emprego: como prioridade, mas não a qualquer custo. Ou seja, criação de emprego com direitos, eliminado a precariedade salarial e profissional, incentivando a formação profissional e a qualificação da mão-de-obra, investindo na responsabilidade social das empresas e na requalificação profissional, flexibilizar os horários (de forma a criar mais postos de trabalho) mas conciliando o trabalho com a vida familiar. Investir em novas áreas, tais como a agricultura, a pesca, as energias renováveis, a qualificação urbana e patrimonial como motores da economia e do fomento do emprego, assim como, a aposta na criação de tecido empresarial no interior, através de atividades tais como o turismo, a agricultura biológica e na economia social e solidária.

- Ajustar a produtividade aos aumentos salariais que possam fazer face à carestia de vida e de bens essenciais. Emprego com direitos significa igualmente, proceder aos respectivos descontos para a segurança social de forma a torná-la sustentável protegendo o estado social.

- Apostar na formação e qualificação profissional, criando cursos e formação profissional adequada às necessidades dos empregadores. Medidas concretas de empregabilidade para pessoas com maiores dificuldades de acesso ao mercado de trabalho – particularmente às mulheres e pessoas com mais de 45 anos que se encontram em situação de desemprego de longa duração. Incentivos fiscais às empresas para promover a empregabilidade e criar capacidade de investimento. Incentivos ao micro-empreendedorismo e à fixação das empresas no interior do país.

- Incentivar o investimento e a inovação social: Criar linhas de crédito para o empreendedorismo e micro-empreendedorismo. Renovar o tecido empresarial, através da aposta nas novas tecnologias, na agricultura biológica, turismo, energias renováveis e “reciclar” as profissões mais tradicionais, com a aplicação de novas tecnologias. Incentivar a inovação social, as práticas de economia social e solidária, baseadas em valores

humanos e princípios de solidariedade que incluem um conjunto de atividades de caráter comunitário, associativo, cooperativo, mutualista e outras formas coletivas para responder às necessidades de emprego e bem-estar das populações.


- Incentivar a responsabilidade social das empresas: criando empregos de qualidade, investindo na formação ao longo da vida, incentivos à localização em zonas mais despovoadas, que promovam a fixação da população – particularmente a mais jovem e qualificada, criar políticas justas de taxação das empresas e ajudar aquelas que demonstrem maior responsabilidade social.

- Trabalhar a noção de trabalho digno de acordo com os conceitos desenvolvidos pela OIT: horários compatíveis de forma a adequar a vida profissional e familiar, formação profissional qualificante e adequada ao posto de trabalho e à progressão na carreira. Proteger os trabalhadores mais desfavorecidos e criar postos de trabalho específicos para estes públicos, através de medidas de incentivo à sua integração nas empresas e outros organismos.

- Promover a inserção de trabalhadores desempregados de longa duração: Dignificar o trabalho dos Programas Ocupacionais e outros programas equivalentes, concedendo-lhes direitos e garantias (férias, segurança social), através de medidas de política de inserção sócio laboral protegidas e consagradas pelo Estado, incentivar as empresas à sua inserção laboral, através da concessão de isenções fiscais, aumentar o apoio às famílias e apoiar esses trabalhadores no seu processo pós-inserção.

- Articular o Plano Nacional de Emprego com um plano nacional de combate à pobreza: articulando os diversos ministérios envolvidos, autarquias e tecido empresarial.

  • Proteção Social
- O reforço e a defesa do Estado Social

Promover uma reforma estrutural orientada pelos valores da equidade e da justiça social e pautada por critérios bem definidos, que combata os privilégios injustos. Esta reforma deverá apostar num acompanhamento orientado para a qualificação e a melhoria dos serviços públicos, e para uma fiscalização atuante em caso de detecção de situações de irregularidade, refletindo-se no sistema da segurança social, da saúde e da educação.

- Inovação tecnológica – sistemas informáticos mais eficazes

Apostar em novos meios tecnológicos nos serviços, de modo a que o seu funcionamento seja mais cómodo, célere e eficaz; simultaneamente, e com vista ao reforço dos direitos dos cidadãos, garantir a possibilidade de intervenção rápida por parte daqueles que, local e centralmente, devem supervisionar o funcionamento destes sistemas, para corrigir no mais curto espaço de tempo possível os eventuais erros (por vezes, com consequências de enorme gravidade e prejuízo para os cidadãos) que ocorram.

- Supervisão mais eficiente ao nível da fiscalização, instituindo a avaliação “in loco” das situações em concreto, assim como a reformulação do conceito de agregado familiar para atribuição da comparticipação das pessoas nos apoios sociais, nomeadamente no Complemento Solidário para Idosos.

- Apostar numa rede interinstitucional entre as empresas, as instituições de solidariedade social e os cidadãos desfavorecidos socialmente no sentido de promover os apoios necessários para que estes cidadãos possam ultrapassar estas situações e exercer o seu pleno direito de cidadania.

- Promover a interlocução dos cidadãos que vivenciam situações de pobreza e/ou exclusão social e das organizações sociais junto do governo nacional e/ou das instâncias da governação europeia no sentido de criar mecanismos que contribuam para a diminuição das desigualdades sociais.

- Combater os estereótipos, a estigmatização e as representações sociais negativas que a sociedade em geral e os próprios profissionais possuem sobre as prestações sociais e os beneficiários das mesmas através de um acompanhamento de proximidade por parte dos técnicos e do desenvolvimento de ações de sensibilização e informação sobre as medidas existentes junto de vários atores-chave: os próprios técnicos, a sociedade em geral, as entidades empregadoras e os órgãos da comunicação social. Estas ações são pertinentes para combater expressões como por exemplo “os beneficiários são parasitas do Estado”, “os beneficiários não querem trabalhar”.


  •  Habitação
O arrendamento:

• Obrigar a colocação no mercado de arrendamento dos fogos devolutos a preços controlados;

• Rever a política de incentivos, facilitando o acesso ao arrendamento;

• Para que as autarquias possam tornar o mercado de arrendamento sustentável, acabar com o conceito de habitação social e substitui-lo por habitação a preços sustentáveis. Ou seja, as autarquias deveriam estar na posse de várias habitações e a população em geral deveria poder candidatar-se aos fogos existentes pagando consoante o seu rendimento. Isto permitiria às autarquias aumentar o seu financiamento para compra de novos fogos e para a reabilitação de habitações degradadas.

A habitação social:

• Clarificar os critérios de atribuição de casas de habitação social;

• Alargar o mercado social de arrendamento, previsto no Plano de Emergência Social, de forma a abranger mais famílias;

• Procurar com as autarquias soluções dignas e sustentáveis para as famílias não abrangidas pelo Plano Especial de Realojamento;

• Acabar com as demolições sem prévio realojamento das pessoas que não foram abrangidas pelo Plano Especial de Realojamento.

A reabilitação/requalificação:

• Dar prioridade à reabilitação das habitações em detrimento da construção de raiz;

• Programas de recuperação de habitações devolutas e degradadas, integrando grupos de voluntários/as;

• Fomentar uma bolsa de solidariedade para apoio a pequenos arranjos habitacionais a partir das pessoas com capacidades nesta área que estão a usufruir de prestações sociais como forma de potenciar a inclusão ativa destes públicos. Tal pode acontecer sob a forma de pequenas empresas sociais no seio da economia solidária.

O enquadramento legal:

• Reformar a legislação dotando as autarquias de meios eficazes para o combate à especulação imobiliária e que os tornem menos dependentes dos licenciamentos para se financiarem;

• Penalizar o abandono das casas, quando tenha em vista fins especulativos;

• Criação da figura do Provedor da Habitação.

Os apoios financeiros/recursos:

• Apoio a projetos de reforço das relações de vizinhança;

• Maior aproveitamento dos equipamentos do Estado (o próprio Estado possui instalações abandonadas há muitos anos) para fins de interesse público coletivo e associativo;
• Contratualização de intervenções no âmbito do Programa Conforto Habitacional para Idosos (PCHI), estendendo-o a todo o território nacional e a outros grupos-alvo (ex: desempregados de longa duração e famílias monoparentais);


• Apoios (financeiros) às Associações de Moradores para a sua revitalização. Estimular o reconhecimento das autarquias relativamente ao papel das Associações de Moradores, de forma a considerá-las parcerias estratégicas que permitam sinalizar situações de precariedade habitacional e encontrar soluções no território/comunidade.

  •  Voluntariado

- Sensibilizar para as práticas de voluntariado:

• Reforçar a abordagem do tema na escola, na disciplina de formação cívica junto dos mais jovens.

• Promover ações de sensibilização/formação junto da população em geral, através da criação de Fóruns de discussão sobre voluntariado em termos gerais, e também em áreas específicas como a área da deficiência, por exemplo.

• Promover uma maior visibilidade / divulgação dos fenómenos de pobreza, suas causas e consequências, em toda a sua multidimensionalidade, alertando para a necessidade do envolvimento de todos.

• Rentabilização das novas tecnologias de comunicação / Redes Sociais - para a sensibilização e informação da sociedade. Exemplo Facebook – pela criação/utilização dos fóruns temáticos.

- Promover os valores de cidadania na escola e família

• Reforçar a carga horária da disciplina de Educação Cívica porque é importante apostar na educação para a cidadania. Os valores de cidadania (nos quais se integra o da solidariedade) são fundamentais no desenvolvimento das competências pessoais dos jovens.

• Desenvolver debates / ações de sensibilização / formação para as famílias, no âmbito do exercício da cidadania ativa.

- Promover / incentivar as práticas de voluntariado

• Criar um complemento ao diploma do Secundário onde conste as atividades extracurriculares – nesta caso as de voluntariado – será uma forma de promover as práticas de voluntariado e de reconhecimento do trabalho.

• Banco de horas nas empresas, ou seja, quem pertencer a este bando de horas de voluntariado poderá beneficiar de benefícios laborais e sociais promovendo promover o exercício de cidadania e educação cívica.

• Definição de estratégias para mobilização de imigrantes para ações de voluntariado - os imigrantes que praticam voluntariado acaba por poder melhorar, não só a sua capacidade linguística (se existirem dificuldades nesse campo), como também a sua capacidade de integração junto de pessoas com outra cultura. Podem ainda ajudar outros voluntários mostrando a sua cultura/língua/tradições. Os imigrantes podem assim desenvolver um papel ativo na sociedade em que acabam de ser acolhidos.

• Qualificar / Formar os voluntários, especialmente os jovens e as pessoas de meia-idade.

• Criar Bancos de Voluntariado local: fazer o reaproveitamento das infraestruturas já existentes mas que por alguma razão, estão inativas (por exemplo, os antigos edifícios das escolas primárias).

EAPN Portugal/Rede Europeia Anti-Pobreza, Porto, 17 de Outubro

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