Diário de um sem-abrigo

"- Morada? -- o coração começou a bombear o sangue violentamente, provocando-me uma ansiedade. -- Não tenho morada minha senhora! Aqui, neste local onde me encontro, sentado e com o coração a bater, sou um número que uns querem subtrair e outros somar." «Eis o diário comovente de um sem-abrigo, um grito de desespero com um sabor acidulado a solidão. Cap, Russo, Cenoura, Joe, Crava... deambulam pelas ruas de Lisboa quais soldados numa luta inglória. Conhecem de bem perto as agruras da vida, mas cedo aprenderam a amortecer as pancadas diárias e vivem numa enorme solidariedade. Cap tem a seu cargo este exército invisível e uma missão, ajudar os outros sem-abrigo a aguentarem-se nas ruas e a protegerem-se do torpor da pena alheia. Perdido entre o presente da sua vida de indigente e o passado que não consegue lembrar, retrata-nos, numa visão fina e arguta, uma Lisboa pouco atenta à indigência. Cap possui uma cultura ímpar e uma alma de poeta, é um sonhador. Nos seus sonhos fantasistas o beijo come nuvens, os campos abraçam, os mimos desprendem-se das árvores. Quando conhece Rita perde-se na imaginação do amor. Sentir os lábios de Rita nas suas bochechas cadavéricas transporta-o para uma outra dimensão. Mas terá um sem-abrigo direito ao amor? Ei-lo confrontado com a vontade de se apaixonar e a vontade de prosseguir uma missão de sobrevivência. "Há quem não acredite em nós, quem nos considere uns dissimulados, mas quando tombamos aqui...é demasiado difícil de nos voltarmos a levantar." E pode acontecer a qualquer um de nós! Cap, porém, pondera erguer-se e partir... AUTOR: Carlos J. Barros, nasceu em Paris, mas adoptou Santarém como a sua terra materna. Por lá bebeu grande parte das suas descrições, no Gótico e no Tejo que nunca parou de ver. Hoje sente-se perfilhado pelo Mar da Caparica e pelas Dunas de São João. O cheiro intenso transportado pela maresia, cativa-lhe as palavras que se vão soltando pelos seus blocos. Frequentou o curso de Psicologia Aplicada, no Instituto Superior de Psicologia, mas foi no Jornalismo que «rompeu» a vida. Apaixonado por tudo o que se mexe, é na solidão que os seus romances reflectem e fazem reflectir. Uma intensa homenagem a todos os homens e mulheres que vivem nas ruas e que apesar da luta diária e cruel pela sobrevivência mantém ainda a nobreza da solidariedade e da amizade desprovida de preconceitos. Uma chamada de atenção aos que diariamente teimam em fazer dos sem abrigo pessoas invisíveis! Gabriela Chagas -- Lusa

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